Matheus Nachtergaele conta como foi voltar a João Grilo em O auto da compadecida 2
O novo filme, que estreia 24 anos após o original, mata a saudade do personagem e de Chicó, interpretado por Selton Mello.
Continuação de um dos maiores sucessos do cinema brasileiro, O auto da compadecida 2, dirigido por Flávia Lacerda e Guel Arraes, chega como presente de Natal na quarta-feira (25.12), 24 anos depois do original. A história também se passa duas décadas após os acontecimentos do primeiro filme.
“Nunca imaginei que fosse acontecer de novo”, diz Matheus Nachtergaele à ELLE. O ator interpreta João Grilo que, após 20 anos desaparecido, retorna a Taperoá, reencontra Chicó (Selton Mello) e é recebido como celebridade. Ele acaba disputado pelos políticos mais poderosos da cidade e tenta aplicar um golpe que vai mudar sua vida. E, claro, se mete em confusão novamente.
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Do elenco original, além de Nachtergaele e Selton, Virginia Cavendish, como Rosinha, e Enrique Diaz, como Joaquim Brejeiro, estão de volta. Taís Araújo interpreta a Compadecida (papel que foi de Fernanda Montenegro no primeiro filme). O elenco ainda conta com Humberto Martins, Luis Miranda, Eduardo Sterblitch e Fabiula Nascimento.
A ideia de fazer uma continuação do filme baseado na obra de Ariano Suassuna (1927-2014) surgiu em 2019, após um encontro da equipe e do elenco. “Mesmo quando a gente combinou de olhos marejados que ia fazer, não imaginei que fosse realmente acontecer, porque depois veio o governo bolsonarista, que cortou muitas possibilidades do cinema, e em seguida, a pandemia”, diz Nachtergaele. “Quando finalmente aconteceu, estávamos aliviados, exaustos de querer que acontecesse e contentes de estarmos juntos todos os dias.”
A seguir, mais da conversa com o ator:
Matheus Nachtergaele e Selton Mello em cena de O auto da compadecida 2.
O tempo como desafio
Em 25 anos, muita coisa muda. “Mas o arquétipo permanece”, disse o ator. “João Grilo ainda vibra no céu comum não só do Brasil, mas dos lugares onde a desigualdade social é grande. O personagem é um arquétipo muito anterior ao registro do Suassuna, cuja ideia era celebrar o homem simples do Brasil entronando a cultura do país junto com outras do mundo.”
Seu grande medo e desafio era fazer seu corpo de 55 anos vibrar no arquétipo de João Grilo. “Ele exige muita agilidade e esperteza. É um alucinado da sobrevivência. É como um passarinho que sobrevive a cada refeição. O arquétipo do João Grilo não é só o arlequim, mas a própria sobrevivência, com alegria. O desafio era substituir aquilo que eu não teria mais – esperança e agilidade – por sabedoria e resistência.” Em sua opinião, Grilo continua tendo alegria, safadeza e amoralidade, mas com algumas características enobrecedoras que a idade e a resistência oferecem. “Em no Auto 2, Grilo respeita mais a fé dos outros, desrespeita mais os poderosos e aprendeu para valer o valor de uma amizade.”
Selton Mello como Chicó.
Reencontro emocionante
“Para um ator como eu, as lembranças da vida e as de cena se confundem”, conta Nachtergaele. Reencontrar Selton Mello foi como lembrar de alguns dos melhores dias de sua vida. “Amo o Selton porque ele é o Chicó. Não conheço tanto o Selton fora de cena. A gente não convive. Mas há uma emoção de termos sobrevivido esses 25 anos e recebido de presente a chance de sermos os representantes dos personagens mais bonitos da comédia brasileira.”
Uma de suas memórias pessoais mais presentes é a de João Grilo ajoelhando-se diante de Nossa Senhora. “Isso foi tão forte que, quando me ajoelhei, agora diante da Taís Araújo, senti a mesma coisa. Ela deixou de ser a Taís e passou a ser a Nossa Senhora. Essas coisas todas se confundem, e é muito bonito.”
“Para um ator como eu, as lembranças da vida e as de cena se confundem”
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A história reflete o hoje
O auto da compadecida 2 abarca algumas questões atuais, como as novas mídias. “Ele toca em temas sociais importantes que já eram relevantes desde a escrita da peça, mas sem levantar bandeiras. O filme fala de assuntos graves com suavidade.”
Na feitura, os métodos também foram outros. Em vez de rodar em locação, com Cabeceiras (PB) como Taperoá, a produção foi filmada em estúdio, utilizando uma parede de LED como as dos blockbusters de Hollywood. “Isso deu a Taperoá uma aura mítica e recuperou o aspecto teatral do Auto.”
Fabiula Nascimento como Clarabela e Humberto Martins como Coronel Ernani.
Para o ator, foi um trabalho mais cansativo que o normal. “Tínhamos a responsabilidade de dar conta, devolver o tamanho dos personagens para eles e o carinho do público.” Ele vê O auto da compadecida 2 como um presente. “O João Grilo que ofereço foi o melhor que posso dar hoje.” Nachtergaele promete estar nos cinemas junto com o público na estreia. “Não teria sentido se não fosse assim.”
Com O auto da compadecida, ele tem uma experiência diferente em relação a seus outros papeis, em que costuma ficar se criticando ao assistir. “O arquétipo é tão forte que eu me torno espectador rapidamente”, contou. “Fiquei com os olhos marejados vendo o João Grilo.”
Essa foi uma reação comum nas pré-estreias, com os espectadores rindo muito, como esperado, mas também vertendo lágrimas. Para ele, o longa mata a saudade dos personagens queridos e do nosso olhar mais ingênuo em uma época antes do mundo digital. “O filme é para gostar de viver e de estar vivo, não para ter vergonha da espécie humana”, disse Nachtergaele. “A gente suspira de brejeirice. É um frescor, um carinho, uma festa.”
Selton em cena do novo filme.
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