Primavera Sound São Paulo: Róisín Murphy fala à ELLE sobre seu novo álbum, moda e Moloko
Mais de duas décadas após sua última passagem pelo Brasil, a cantora irlandesa Róisín Murphy se apresenta neste domingo no Primavera Sound São Paulo e fala à ELLE sobre seu novo álbum, Hit parade.
Róisín Murphy desembarca em São Paulo nesta semana para se apresentar no Primavera Sound. Serão dois shows na capital paulista: um paralelo ao festival, na Áudio, nesta sexta-feira (01.12); e outro no domingo (03.12), no Palco São Paulo.
Róisín Murphy. Nik Pate
Artista cult da música eletrônica, a cantora irlandesa de 50 anos esteve no Brasil pela última vez no ano 2000, no extinto Free Jazz Festival, quando ainda integrava o duo Moloko, com o então namorado, Mark Brydon. Nessas duas décadas, muita coisa aconteceu. Com o término da relação e da dupla, em 2003, ela seguiu carreira solo e lançou seis álbuns, conquistando um nicho na indústria com sua voz singular e uma abordagem vanguardista tanto para a música como para a moda.
Róisín Murphy no palco da tour de lançamento de Hit Parade. Getty Images
Recentemente, porém, a cantora foi parar nos trending topics por outros motivos. Em agosto deste ano, Róisín Murphy criticou o uso de bloqueadores de puberdade por crianças e adolescentes que desejam passar pela transição de gênero. O post foi capturado da sua página pessoal no Facebook e divulgado online, resultando em acusações de transfobia e cancelamento.
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A polêmica aconteceu dias antes do lançamento do seu sexto álbum, Hit parade, o que fez com que a divulgação do disco fosse mais discreta por parte da gravadora. Róisín, que tem uma grande base de seguidores LGBTQIAP+, pediu desculpas na sequência. “Passei minha vida celebrando a diversidade e diferentes visões, mas nunca apadrinhei ou direcionei cinicamente minha música aos bolsos de qualquer grupo demográfico”, disse em um comunicado nas redes sociais.
“Sinto muito que meus comentários tenham sido dolorosos para muitos de vocês. Espero que as pessoas entendam que minha preocupação é por amor a todos nós.” Desde então, ela não fala mais sobre o assunto em público e justifica que sua vocação não é o ativismo, e sim a música.
A capa do álbum Hit Parade, gerada por inteligência artificial. Divulgação
Apesar da controvérsia em torno da cantora, Hit parade é um álbum que merece ser ouvido, especialmente se você gostava de Moloko e ainda dança com hits como “Sing it back” e “The time is now”, da dupla. Criado em parceria com o produtor musical alemão, Stefan Kozalla, mais conhecido como DJ Koze, o disco lembra um excêntrico mix de chill-out, abraçando vertentes como disco, dub, techno e lo-fi. A seguir, Róisín Murphy fala à ELLE sobre o lançamento, sua carreira, moda e mais.
Hit parade foi produzido ao longo de seis anos e à distância com Stefan Kozalla. Como foi esse processo?
Tudo começou com o álbum Knock knock (2018), do DJ Koze. Ele me pediu para contribuir com o disco, e no final, dei a ele duas músicas. A partir daí, passamos a colaborar com outras faixas e ele sugeriu gravar um disco para mim, mas não deveria haver pressão de tempo. Isso durou cerca de quatro ou cinco anos, falávamos quando tínhamos agenda, alguns dias aqui, alguns dias ali e muitos meses entre eles. Ele trabalhou mais no final por causa da mixagem e tudo foi entregue há um ano.
Vocês chegaram a se encontrar pessoalmente em algum momento?
Não nos encontramos por um tempo. Fazia minha parte em Londres (Róisín se divide entre a capital inglesa e Ibiza, na Espanha), e ele em Hamburgo. Só o conheci brevemente em Ibiza há alguns anos. Ele estava tocando em uma festa e fui dizer “oi”. Basicamente, foi isso. Nossa relação não é presencial, mas também não é fria.
Conversamos por telefone, trocamos mensagens, criamos músicas juntos e havia uma intimidade nisso, mas não era na vida real.
Isso dificulta o processo de alguma forma?
Acho que conseguimos fazer do jeito que ele queria. Usamos o mesmo software de música, às vezes enviava algumas vozes sem ter uma letra, de fato. E ele foi esboçando a coisa toda, colocando essas versões nas faixas porque gostava da intimidade e do imediatismo que transmitiam. Em vez do perfeito, ele incluiu falhas, o que foi interessante porque tenho a mente aberta com produtores que trabalham de maneiras diferentes. Me sinto animada para ver o que farão com a minha voz, então, quando decido trabalhar com alguém, simplesmente sigo em frente. Essa é a lição. Mesmo que às vezes você não entenda, simplesmente continue.
Róisin Murphy Nik Pate
Você também colaborou com a Jessie Ware no início do ano. Como se conheceram?
Participei do podcast de culinária que ela tem com a mãe há alguns anos. Elas cozinharam para mim e foi tão divertido. Depois nos encontramos mais vezes, tenho muito respeito pela Jessie, ela é uma artista e uma mulher brilhante. A música também foi feita remotamente. Havia um buraco na canção e eu o preenchi rapidamente em casa. Fiz no mesmo software que o Stefan insistiu que eu aprendesse. Agora se tornou muito fácil fazer coisas assim, posso simplesmente criar de casa.
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Voltando a Hit parade, percebi uma mistura de ritmos como disco, dub e techno. Pode nos contar um pouco sobre essas influências musicais?
Por não ter a pressão de tempo, muito menos de fazer algo em particular, conseguimos misturar várias coisas. Não precisávamos de um hit e ele não colocou pressão em mim. Então, esse é o resultado quando você permite liberdade entre duas pessoas. Não gosto de limites e nunca tento direcionar minha música para um mercado específico antes de produzi-la. Faço o que tenho na alma primeiro e depois me preocupo com o mercado.
Imagino que seja um processo similar com a composição das letras. Temos “CooCool”, por exemplo, que fala sobre uma nova era do amor; ou “Free will”, sobre aproveitar o agora. Como você trabalha essas inspirações nas letras?
Essas letras estão em todos os meus discos. Cada álbum tem temas filosóficos, científicos e universais. Overpowered (2007), por exemplo, é uma visão científica. De certa forma, falo sobre os hormônios que ativam coisas no corpo e cérebro, que precisamos acompanhar. É tudo sobre oxitocina (conhecido como o hormônio do amor). “CooCool” é como uma ciência biológica; a cerimônia que acontece com os pássaros em que eles chamam uns aos outros e se exibem para acasalar. Isso está programado neles e é uma outra maneira de olhar para o livre arbítrio. No meu primeiro disco com o Moloko (Do you like my tight sweater?, de 1995), há a música “Where is the what if the what is in why” (Onde está o e se o que está no porquê), que é toda sobre perguntas e muito filosófica. Depois tem “Kingdom of ends”, do Róisín Machine (2020), que é outra questão filosófica; e “Narcissus”, mais mitológico, mas também tem uma ideia filosófica, é tudo sobre narcisismo e psicologia. Então, sim, tenho muitos interesses, mas eles se resumem às mesmas questões continuamente.
A moda também é um elemento importante no seu trabalho. Você trabalha com algum stylist?
Não, eu mesma me visto, é tudo culpa minha.
Seus looks são bem ecléticos e impactantes. Além disso, você já desenhou roupas, colaborou com marcas e também impulsionou designers como Gareth Pugh e Oden Wilson. O que mais gosta na moda atualmente?
Eu gostaria que houvesse mais Gareth Pughs por aí, para ser honesta. Não parece que haja muitos como ele no momento. Às vezes vejo pessoas interessantes se tornarem marcas de Instagram e deixarem de ser interessantes. Então, não tenho visto nada muito excitante nesse sentido.
Róisín Murphy desfilando para Pam Hogg, em 2018. Tim Whitby/BFC/Getty Images
Mas a sua criatividade para se vestir permanece inabalável…
Sim, eu mudo muito. Gosto de fluir através da aparência, de épocas e mudanças de tempo, também tentando mudar como pessoa, esse é o meu foco. A mudança é revigorante, me sinto viva quando realmente altero meu ponto de vista e posso expandir as possibilidades. Reflito isso no meu olhar, nas minhas influências e composições. Às vezes, posso ficar fascinada pelos lutadores britânicos dos anos 70, como quando estava pensando na estética de Róisín Machine, ou por uma mistura dos anos 80, com disco, new wave, punk e pornografia. É como se eu gostasse de muitas coisas diferentes e as refletisse nos álbuns.
Como foi para o Hit parade?
Eu definitivamente não queria para Hit parade, a imagem de uma estrela pop, apesar de ainda ser. Queria uma arte que durasse para sempre. Algo que fosse cheio de perguntas, assim como a música é. O disco é estranho e funciona em vários níveis diferentes. Então, eu só queria que o visual fosse algo que fizesse pensar: que porra é essa? Algo que você possa colocar na sua casa e gerar essa reflexão em outras pessoas, sobre o significado daquilo.
Róisín Murphy. Nik Pate
Você está na indústria há anos. Como cuida da sua voz? Li que é fumante…
Preciso parar de fumar, isso é um fato. Cheguei a parar no passado e comecei de novo, mas quero parar novamente. Em relação a preparação da voz, eu tive algumas aulas de canto na infância e no meio da carreira que foram muito esclarecedoras. Aprendi que a voz não está só nas cordas vocais, mas no corpo todo, é como se pudesse sair pelas mãos. E isso mudou a maneira como eu subia no palco, me fez abrir mais meu corpo para cantar. Mas não sou boa de aquecimento e nem me considero uma cantora técnica. Entrei nisso acidentalmente, falando mais do que cantando, dizendo coisas estúpidas como, “você gosta do meu suéter apertado” (nome do primeiro disco do Moloko) ou fingindo ser alguma personagem. E o canto veio. Sinceramente, quando assinamos com uma gravadora, eu nem tinha cantado de verdade.
Você já considerou uma reunião do Moloko com Mark Brydon?
Não. Na época nós éramos um casal e nos amamos muito durante oito anos, fizemos muitas coisas lindas juntos, então foi muito difícil no final. Ficou no passado.
O Moloko sempre será icônico, especialmente “Sing it back”, um hit atemporal que toca até hoje nas pistas do mundo todo…
É absolutamente incrível como essa música viveu ao longo dos anos. Outro dia, estava num avião voltando para Ibiza, onde moro, e havia um grupo de garotas muito jovens e animadas, escutando “Sing it back” numa caixa de som. Elas sabiam a letra inteira, mas não tinham ideia de que eu estava no avião. Isso é louco. Zero, absolutamente zero interesse em mim. Fiquei pensando sobre isso, como essa música ainda está tão viva, e isso também faz com que eu também não envelheça.
Róisín Murphy com o produtor musical Boris Dlugosch, em 1999. Tim Roney/Getty Images
Falando em tempo, a sua última passagem pelo Brasil foi no ano 2000. Você tem boas memórias do público brasileiro?
Tenho lembranças maravilhosas, de públicos incríveis, de um lugar lindo, comida incrível, anfitriões adoráveis e calorosos. E sim, mal posso esperar para voltar. Sinto que negligenciei tantos fãs adoráveis, me sinto mal por isso, mas é difícil. É longe e eu tenho uma banda de verdade, então é caro movimentar toda a produção. São muitas pessoas envolvidas. Então, tenho que ser assertiva quando me movo e vou tocar em outros países.
Me senti culpada por não ver vocês com mais frequência, mas estou muito feliz por estar fazendo isso agora.
Com tantos anos de estrada, você ainda lê ou se sente afetada pelas críticas dos álbuns?
Cada vez mais fica menos importante, essa é a verdade. Me lembro de uma época em que lançava discos e, se uma rádio, dois jornais, ou duas revistas do Reino Unido dissessem que não era bom, você estava acabada, até tentar novamente. Hoje, nenhum meio de publicação tem mais esse tipo de poder. Não é mais um monopólio ou uma hegemonia. Existem milhões de maneiras de levar música às pessoas, especialmente quando você está aí há tanto tempo como eu, e com um catálogo como o meu, que está inserido em tantas áreas diferentes, como televisão, cinema, redes sociais e danças no TikTok. Isso é tão diferente dos velhos tempos, quando havia apenas cinco detentores da informação e você estava fodido caso alguém não gostasse. Hoje há sempre um jeito. Se você realmente precisa transmitir algo bom e sincero às pessoas, você pode.
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