Ai Weiwei faz reflexões sobre arte, arquitetura e humanidade em entrevista

Cinco anos após sua mostra na Oca, Ai Weiwei reencontra o curador Marcello Dantas para uma entrevista exclusiva à ELLE Decoration Brasil, em 2023.


Artista Ai Weiwei
O artista plástico Ai Weiwei. Foto: Bob Wolfenson



Considerado um dos nomes mais importantes das artes plásticas da atualidade, o artista chinês Ai Weiwei, de 67 anos, carrega também o ativismo em sua trajetória. Suas criações abrem reflexões sobre política, direitos humanos e liberdade. A crise de refugiados foi um dos temas trabalhados na primeira exposição individual no Brasil, realizada em 2018, batizada como Raiz Weiwei. Com curadoria de Marcello Dantas, a mostra reuniu 70 obras (algumas feitas no Brasil, após viagens) na Oca, no Parque Ibirapuera, em São Paulo.

Ai Weiwei e Dantas se reencontram em entrevista exclusiva para o Volume 2 da revista ELLE Decoration Brasil, lançada em 2023. Confira o resultado a seguir:

À flor da pele

Ai Weiwei é um amigo querido e turrão, uma mente inquieta, que sabe ser duro e carinhoso. Ele acaba de abrir a mostra Ai Weiwei: Making Sense, no Design Museum, em Londres, sobre o uso de materiais cotidianos de design dentro de sua prática artística. Através de diferentes obras e atos de ativismo, ele usou a grande escala de produção industrial ou artesanal como insumo para revelar as relações contaminadas de um mundo dividido, porém umbilicalmente interdependente. As obras são medidas em quantidades absurdas de peças, centenas de milhares em cada uma. Essa entrevista revela um pouco desse espírito.

O que significa Making Sense?

É a noção de que a vida deve ser sentida e experimentada, e isso é realizado através do ato de fazer.

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Você criou um método de pixelização usando tudo, de balas de canhão a Lego, de selos a fragmentos de cerâmica. Qual é a referência simbólica do menor fragmento na construção de um todo?

Os fragmentos estão intimamente ligados ao estado atual de divisão, homogeneização e descontinuidade da sociedade, refletindo as formas pelas quais as pessoas se unem no mundo moderno. Essa relação é uma expressão relativamente abrangente da condição humana contemporânea.

Por que você criou uma versão de Water Lilies, de Monet, usando elementos de Lego, colocados de forma que o espectador esteja sempre próximo?

Na verdade, isso é intencional. Não quero que nenhuma obra tenha uma presença distinta, proeminente ou exaustiva na exposição. Cada obra de arte se confunde com as outras, revelando-se e ocultando-se simultaneamente, sem nenhum sentido de clareza completa ou exaustiva.

“Arte é design sem função e design é arte com função.” O que você acha dessa afirmação?

Uma bobagem. Na minha opinião, quem pensa assim não entende que o que chamamos de função existe em vários níveis, incluindo o emocional, o filosófico e o perceptivo. Nem entende o fato de que é impossível delinear e definir totalmente a complexidade dos seres humanos. Tais afirmações, que rotulam algo como design ou arte, ou que postulam arte como design sem função, ou design como arte com uma função, são absurdas. Não existe arte ou design, mas algo que carrega consigo emoções, pensamentos ou conceitos relacionados às autoavaliações das pessoas. Muitas vezes, o que chamamos de arte ou de design serve apenas para decorar e se adequar à estética e à moda mais clichê do nosso mundo.

Você incorporou muitos elementos de design em seu trabalho. De objetos da vida cotidiana a antiguidades. Qual é o seu nível de apropriação?

Em minhas obras de arte, não me “aproprio” dos chamados elementos de design. O design está em toda parte. Tudo é design. Aqui, a apropriação não é relevante.

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A vida cotidiana é uma matéria-prima para você?

Eu sou a matéria-prima da vida comum.

Os artesãos sempre tiveram um papel importante no seu trabalho. Como você se relaciona com o artesanato e as habilidades humanas?

Eu me considero um pensador. Pensar também requer muita habilidade. Cada palavra, frase e conceito devem ser cuidadosamente elaborados por meio da seleção de linguagem e de definições precisas. Embora o termo artesanato possa tradicionalmente se referir à prática de fazer coisas à mão, realizada nos últimos milhares de anos, produzindo uma grande sabedoria, acredito que a maior habilidade de todas é o pensamento.

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A arquitetura tem sido uma de suas práticas originais. Como você se relaciona com ela hoje?

Na minha opinião, a arquitetura se relaciona com todos os aspectos da vida humana. A disposição da sua cama, seu comportamento à mesa de jantar e até mesmo a maneira como você lava a louça e a cozinha podem ser considerados exemplos de arquitetura. Os arquitetos formalmente treinados hoje são simplesmente pessoas que buscam adquirir habilidades e técnicas especiais por meio da educação. Porém a maioria deles não pode ser considerada verdadeiramente como arquiteto. Estão mais para desenhistas.

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Diante das mudanças climáticas, da guerra e da distopia social, quais são as questões mais urgentes pelas quais lutar?

Ao longo da história humana, enfrentamos o problema fundamental da sobrevivência, buscando entender nossas próprias experiências e expressá-las aos outros, a fim de formar um entendimento compartilhado e valores comuns na sociedade. Esses desafios são muito mais prementes e importantes do que os tópicos superficiais que muitas vezes apresentamos como falsas proposições.

Obra de Ai Weiwei

Weiwei, que fez mostra por aqui, em 2018, com curadoria de Dantas, ficou impressionado com a alegria dos brasileiros. Divulgação.

Você está longe da China desde 2015. Do que sente mais falta? Como você sente o exílio? O que aprendeu com ele?

Saí da China há oito anos, o que é uma sorte para mim. Embora a maioria das pessoas possa enxergar o seu afastamento da pátria como algo infeliz, para mim foi uma oportunidade de explorar novas possibilidades na vida.

Qual é a pior coisa que pode acontecer agora?

No mundo humano, o pior continua a se desenrolar sem trégua, apenas se manifesta de maneiras diferentes através do tempo. As guerras persistiram ao longo da história da humanidade, embora os europeus acreditassem que elas só ocorriam em outros lugares e, portanto, poderiam ser ignoradas. Da mesma forma, a crise dos refugiados persistiu, com os europeus se distanciando da situação dos refugiados e vendo a crise como algo que acontece com outras pessoas em outros lugares. Hoje, a guerra se espalhou pela Europa, desafiando a autoimagem do continente como um bastião da liberdade e da democracia e expondo seu ventre hipócrita. No entanto, acredito que a pior situação não é a guerra, a pobreza, a poluição ambiental ou a corrupção social. Para mim, a pior situação é quando as pessoas perdem sua humanidade.

A China tem aprisionado muitas figuras importantes do país. Qual a sua opinião sobre esses desaparecimentos?

O fato de a China ter aprisionado pessoas não é uma revelação surpreendente. Os abusos dos direitos humanos há muito atormentam o país, e seu sistema de justiça não é independente. É importante reconhecer que essa questão não é exclusiva da China. Por exemplo, Edward Snowden teve de buscar abrigo na Rússia, enquanto Julian Assange definha em uma prisão no Reino Unido há quatro anos. Ele pode pegar até 175 anos de prisão por acusações apresentadas pelos EUA, tornando-o um prisioneiro político. É crucial entender que tais violações de direitos humanos não se limitam apenas a países autoritários. Acontece em todos os lugares. Mesmo em nações ditas democráticas, existem presos políticos, indicando que elas são de fato estados autoritários controlados pelo grande capital e por corporações.

Obra de Ai Weiwei

Versão de Weiwei para a obra Water Lilies, de Monet. Ela Bialkowska

Você usa o TikTok? Você confiaria nele?

Nunca usei o TikTok, pois acredito que qualquer empresa que restrinja a liberdade de expressão, por mais bem-sucedida que seja, trabalha contra o desenvolvimento da sociedade humana e serve apenas para proporcionar entretenimento. As empresas que se concentram apenas no entretenimento sob um regime autoritário em geral produzem conteúdo indigno. A maioria das pessoas hoje possui uma mentalidade de “viver pela diversão”, que perpetua esse tipo de conteúdo. A sobrevivência do TikTok hoje destaca a natureza corrupta da política global.

Se você enviasse um balão para a China, o que colocaria nele?

Vou enviar um pum nele.

Qual é a sua melhor lembrança do Brasil?

Minha lembrança mais querida é seu ecossistema. Também fiquei impressionado com os brasileiros, que parecem ter um suprimento infinito de sol e alegria.

    • Esta reportagem foi publicada originalmente na edição impressa do volume 2 da ELLE Decoration. 

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