As joias são as novas it-bags?

Usar pedras preciosas virou tendência, a ponto de Prada, Fendi e Balmain lançarem suas primeiras linhas de joias. Potencializado na pandemia, o interesse pela joalheria só cresce.


Colar da coleção de joias da Prada.
Colar Prada. Foto: Divulgação



Um século depois de Coco Chanel questionar a soberania da alta joalheria ao misturar colares de pérolas e outros itens falsos com joias verdadeiras (na década de 1920, esse mix era um acinte à etiqueta social), o reinado dos acessórios preciosos – preciosíssimos – foi restabelecido. 

Não estamos falando só das casas tradicionais, há séculos especializadas no métier, como Van Cleef & Arpels, Boucheron e Cartier. A principal novidade agora são nomes ligados à moda lançando ou expandindo suas próprias linhas de high ou fine jewelry.

Só em 2023, Prada e Saint Laurent apresentaram suas primeiras coleções de joias. “As pessoas querem se mimar”, disse Kauthar Jakoet, analista da empresa de pesquisa de mercado Euromonitor International. “Para muitos, a pandemia foi traumática. O fato de poder entrar em uma loja e comprar o que se queria passou a ser visto como um luxo.”

Peças da coleção de fine jewelry da Balmain

Joias da linha de fine jewelry da Balmain. Foto: Divulgação

O brilho da alta joalheria voltou a se intensificar no primeiro ano de pandemia, em 2020. A joia como metáfora da valorização da autoestima, o famoso “eu mereço”, depois de um evento que evidenciou a fragilidade e a efemeridade da vida, provocou um boom nas vendas do setor. 

“Com a pandemia, a renda disponível e a impossibilidade de gastar de outras maneiras, com viagens e experiências presenciais, fez com que muitas pessoas decidissem comprar joias”, explicou Mauro Di Roberto, diretor de negócios da unidade de joias da Bulgari, em uma entrevista no ano passado. “E, no caso da alta joalheria, é também uma forma de diversificar seus investimentos.”

Anel da coleção de fine jewelry da Prada.

Anel da linha de fine jewelry da Prada. Foto: Divulgação

Diferentemente de outros setores do mercado de luxo, o de joias foi um dos menos impactados pela crise desencadeada pela covid-19. Em algumas regiões, como o Brasil, foram registrados recordes de venda por parte de algumas marcas. 

As previsões para os próximos são de mais crescimento – algo que não acontece, por exemplo, com alguns mercados inicialmente favorecidos pela situação da pandemia, como o do loungewear e dos equipamentos para a prática esportiva dentro de casa, atualmente em baixa. Mesmo com a atual desaceleração no consumo de luxo, o ritmo de crescimento da joalheria, ainda que menos vigoroso, segue acima das marcas de moda.

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Segundo a Euromonitor, estima-se que, em 2023, as vendas da chamada high and fine jewellery (a primeira tende a ser mais suntuosa e cara do que a segunda) aumentem 10% em relação ao ano passado, batendo os 51,3 bilhões de dólares. Em relação ao período pré-pandêmico, o salto é 32% maior. 

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Para entrar, permanecer e/ou crescer neste setor promissor e precioso (com o perdão do trocadilho), 80% composto de marcas desconhecidas, há diferentes estratégias. Quem chegou agora, como a Prada, que lançou sua primeira coleção de fine jewelry em outubro de 2022, as cerca de 50 peças levantam bandeiras que valem ouro para a moda, mas seguem tímidas no mundo das joias: a sustentabilidade e a questão de gênero. 

“Todo mundo vende amor e clichês. Queríamos celebrar as diferenças de forma exagerada”, disse Timothy Iwata, diretor da alta joalheria da Prada vindo diretamente da Cartier. “A ideia é dar relevância e significado contemporâneos a shapes clássicos”, completa ele, sobre a linha marcada pelo triângulo (forma geométrica do logo da marca), a cobra e o coração trabalhados de maneira estilizada. 

Brinco da coleção de fine jewlry da Prada.

Brinco da linha de fine jewelry da Prada. Foto: Divulgação

As joias da casa italiana, então, já nascem atualizadas, com 100% do ouro reciclado, diamantes feitos em laboratório e rastreáveis e design pensado para elas, para eles, para todes, sem divisão de gênero. O mesmo vale para a Balmain, que anunciou em meados de 2022 sua estreia no mundo da fine jewelry. 

Este ano, foi a vez da Saint Laurent, em maio, e da Fendi, durante o desfile de alta-costura, em julho, lançarem suas linhas de alta joalheria. Na grife francesa, o design é assinado por Anthony Vaccarello, diretor artístico da maison. Já na italiana, a direção criativa é de Delfina Delettrez, filha de Silvia Fendi, herdeira da marca. Ela já comanda o próprio negócio de joias desde 2007 e, em 2020, entrou para o business da família.

Anéis e pulseiras da coleção de fine jewelry da Balmain.

Anéis da coleção de fine jewelry da Balmain. Foto: Divulgação

Com lojas de roupas e acessórios espalhadas pelo mundo, as marcas de luxo têm se adaptado para acomodar peças tão valiosas e com necessidades específicas, como horário de funcionamento diferente, segurança e cofre. Se deve em parte a isso a seleção restrita de endereços com as linhas de alta joalheria – boa parte deles ficam em Paris, Milão e Nova York. Para as que possuem ponto próprio no Brasil, como Saint Laurent, Prada e Gucci, as joias podem ser compradas sob encomenda. 

Entre as recém-chegadas, a Prada trabalha com um calendário de reformas de suas lojas para acomodar a joalheria. Já a Balmain vende suas joias online, em sites como o Net-a-Porter e Farfetch, e em corners inaugurados dentro de suas lojas de Paris, Nova York e Milão. Em breve, os endereços da grife em Shangai e Los Angeles também receberão um ponto de venda dedicado à novidade.

Anel da coleção de alta joalheria da Gucci.

Anel da coleção de fine jewelry da Gucci. Foto: Divulgação

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A Gucci, por outro lado, chegou ao mundo da joalheria antes mesmo da pandemia. A primeira linha de high jewelry da label foi lançada em 2019, com uma loja especialmente dedicada a joias na Place Vendôme, em Paris. A próxima coleção, e primeira a ser assinada por Sabato De Sarno, o novo diretor criativo da casa, será lançada em setembro de 2024 – as anteriores, incluindo a que está à venda atualmente, foram criadas por Alessandro Michele. 

As tradicionais e suas novas abordagens

Com a chegada de marcas de moda antes sem as próprias linha de joalheria, as tradicionais recorreram ao que só elas têm: repertório, excelência, expertise e acesso privilegiado a clientes com poder de compra altíssimo – os “superricos”, imunes à volatilidade do mercado financeiro, inflação e crises econômicas.

Nos últimos anos, apresentações de coleções de alta joalheira em locais paradisíacos ou exclusivos cresceram consideravelmente, com serviços que incluem experiências que “o dinheiro não pode comprar”, como definiu Hélène Poulit-Duquesne, executiva-chefe da Boucheron, em entrevista ao The New York Times

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A joalheria francesa oferece aos clientes V.I.C. (Very Important Clients) estadia na penthouse da marca com vista para a place Vendôme, onde fica sua flagship, com serviço de concierge do hotel Ritz e apresentação privada da coleção pela diretora criativa da Boucheron, Claire Choisne.

A Cartier, uma das grifes mais desejadas e bem-sucedidas da alta joalheria, convida seus clientes muito importantes para uma experiência no festival de cinema de Veneza, com direito a entrada no evento pelo tapete vermelho e convites para pré-estreias.

Anel da coleção de alta joalheria da Chanel.

Anel da nova coleção de alta joalheira da Chanel. Foto: Divulgação

Veteranas entre as maisons de moda de luxo a oferecer linhas de alta joalheria, a Chanel, que estreou no setor em 1993, e a Dior, com a primeira coleção de joias lançada em 1999, investem em coleções cada vez mais suntuosas e em estratégias mistas, que alternam investimento em lojas exclusivas e experiências únicas para clientes fiéis. 

No lançamento da coleção de alta joalheria do ano passado, a Dior levou seus convidados até a Sicília, na Itália, onde as peças – criadas por Victoire de Castellane – foram apresentadas ao longo de uma semana, ao lado vestidos feitos especialmente para o evento pelo departamento de alta-costura da marca. 

Bracelete da coleção de alta joalheria da Chanel.

Bracelete da nova coleção de alta joalheira da Chanel. Foto: Divulgação

Com receita chegando a 15 bilhões de dólares, a Chanel brilha no setor, com previsão de abertura de mais duas lojas exclusivamente dedicadas às linhas de high e fine jewelry. Atualmente, a maison tem três endereços 100%  voltados à alta joalheria: o da place Vendôme, em Paris, reinaugurado em 2022 depois de uma grande reforma feita pelo arquiteto Peter Marino, um em Tóquio e outro em Londres. 

No fim de novembro passado, a marca inaugurou uma loja em Milão que oferece prêt-à-porter, acessórios e alta-joalheria. A butique conta com uma entrada principal na Via Montenapoleone e outra separada para clientes V.I.C., na Via Verri. Lá, podem ser vistas as 63 peças ultra luxuosas da coleção Tweed de Chanel, lançada em 2023 e assinada por Patrice Leguérau, diretor criativo da alta joalheria da grife. 

Anéis da coleção de alta joalheria da Gucci.

Anéis da linha de fine jewelry da Gucci. Foto: Divulgação

“O setor de alta joalheria é extremamente dinâmico e está em alta, assim como a relojoaria e a alta relojoaria também experimentam um forte crescimento. Estamos muito satisfeitos com nosso crescimento na área”, disse Frédéric Grangié, diretor da divisão de alta joalheria e relojoaria da Chanel, em entrevista em 2022. 

Tendência da vez, os anéis, pulseiras e brincos do high jewelry das marcas de moda parecem ter se transformado fortes candidatos a substitutos da it-bag, ou mesmo do look conceitual do desfile. A ideia é representar, segundo Antoine Pin, head de relojoaria da Bulgari  o símbolo de status, criando desejo pela grife de luxo em questão, como aponta.

Em suas próprias palavras: “Encorajamos as pessoas a experimentarem mesmo as peças mais caras, que elas não poderiam comprar. Ao compartilhar aquele momento ‘uau!’, criamos uma história de amor com a marca”.

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