O desfile de 3 minutos de Marc Jacobs

Coleção de inverno 2023 do estilista é mais uma provocação sobre a vida e a moda em tempos digitais sem limites de velocidade.


Marc Jacobs, inverno 2023.
Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação



O desfile de inverno 2023 de Marc Jacobs começou às 19h30 e terminou três minutos depois, às 19h33. Geralmente, uma apresentação do tipo dura entre 15 e 20 minutos. No caso, as modelos entraram em fila final, deram duas voltas na passarela e pronto. Para que perder tempo, né? Qualquer coisa é só rever na internet mais tarde.

Antes de entrar no momentinho semiótico sobre os possíveis significados da coisa toda, vamos aos fatos. Ou melhor, aos looks. A coleção é carregada de referências aos anos 1980, com alfaiataria, ombros marcados, minivestidos drapeados (bem amassadinhos, em sintonia com as tendências da vez), tecidos encorpados e brilhantes, meias-calças, bustos destacados e toda uma vibe de luxo dos figurinos de Mad Max e Secretária do futuro.

 

Dito isso, vamos ao que interessa e ao que dona Marc provocou. Os desfiles do estilista foram por muito tempo o encerramento oficial da semana de moda de Nova York. Alguns deles, como o de verão 2008, atrasaram cerca de duas horas e ainda aconteceram de trás para frente, pela fila final. Outros, ignoraram parcial ou totalmente a estrutura convencional de apresentação. 

No inverno 2017, por exemplo, o ápice da apresentação aconteceu na rua, fora da locação sem trilha sonora e minimamente iluminada – quem estava lá dentro só ficou sabendo do auê depois. No excepcional verão 2020, a coreógrafa Karole Armitage colocou todo casting dançando e correndo entre as mesas da plateia. Ah, e semanas antes da OMS classificar a Covid-19 como pandemia.

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Aí tudo parou. Marc Jacobs foi um dos primeiros e poucos sensatos a pisar no freio e rever a coisa toda real-oficial. Não teve filme fashion, campanha fotografada à distância, live nem nada disso que causa desconforto só ao ouvir qualquer uma dessas palavras. Depois do emblemático show em fevereiro de 2020, foi só em junho de 2021 que o estilista apresentou uma nova coleção. E num formato bem diferente do que o habitual.

A coleção, por exemplo, não estaria à venda imediatamente nos próprios endereços da marca, mas exclusivamente na Bergdorf Goodman, uma tradicional loja de departamentos nova-iorquina. E nada de fashion week, centenas ou milhares de convidados. Apenas uns poucos na Biblioteca Pública de Nova York – mesma locação do verão 2022, inverno 2022 e verão 2023. E só aqueles poucos tinham visão 360º das roupas. Vídeos e fotos oficiais só registraram as modelos de perfil. Isso num momento em que quase todos os lançamentos eram divulgados online, com closes minuciosos em cada detalhe.

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc Jacobs, inverno 2023.

Marc Jacobs, inverno 2023. Foto: Divulgação

Marc é danada. Nunca quis, tampouco gostou de ser Maria vai com as outras. Conformismo, piloto automático, es lo que hay, nunca lhe desceu bem. Vide o desfile grunge do verão 1993 da Perry Ellis que resultou na sua demissão e ascensão com um dos criadores mais sensíveis em atividade. Sim, ele é uma esponja de mil e uma referências (mais até), ainda assim devolve tudo do seu jeitinho.

Agora não é diferente. A velocidade do desfile pode ser lida como representação das nossas rotinas, da maneira como se produz e consome informações, da demanda cada vez mais intensa por novos produtos e satisfação instantânea, da crescente dificuldade de atenção no que acontece diante dos nossos olhos, de como tudo parece formulaico, artificial, reproduzido em série, do desinteresse, da desvalorização e da falta de consideração pelo trabalho humano.

Não à toa, o release da coleção foi gerado por inteligência artificial, via Chat GPT. Um claro exemplo da diferença entre leitura e interpretação entre máquina e humanos.

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