O sexy está na moda, mas para quem?

Pele à mostra, barriga de fora, comprimentos míni e decotes são algumas das principais tendências do verão 2022, mas na passarela a representação ainda está longe de refletir a real diversidade de corpos.


Karoline Vitto Foto: Divulgação



Rumo a quase um ano e oito meses de pandemia, com períodos de isolamento e distanciamento social mais ou menos intensos, já era esperada uma boa dose de sensualidade nos desfiles de verão 2022. A sedução em sua forma mais recorrente – justa, curta, decotada, recortada e transparente – foi uma das principais tendências da recém-terminada temporada de moda.

Nas passarelas, uma das melhores explorações sobre o tema veio sobre o olhar conjunto de Miuccia Prada e Raf Simons, codiretores de criação da Prada. A dupla fez um jogo entre constrição e liberdade que ilustra o vigor, que, depois de encapsulado e digitalizado, despe-se em camadas. Vestidos coluna acinturados que discretamente se abrem para revelar as costas nuas, suéteres que demarcam os seios, camisetas com estruturas de corset e minissaias que se prolongam em caudas.

 

A Dolce & Gabbana, que andava dedicada à comemoração das raízes sicilianas e da tradição da família, revisita seu passado mais ousado do fim dos anos 1990 e começo dos 2000, com muito couro, amarrações e rendas. Já a Fendi, recuperou o hedonismo disco dos anos 1970 para falar de liberdade – de todos os tipos, principalmente a sexual, retratada com muitas franjas e cortes sinuosos.

Até quem costuma passar longe do tema, como Rick Owens e Rodarte, chegou mais sexy nesse retorno às passarelas, lido por muita gente com um possível ressurgimento da vida pós-vacina.

Modelo no desfile da Miu Miu, em Paris.

Miu Miu, verão 2022.Foto: Getty Image

Porém, foi com Miuccia Prada, dessa vez na Miu Miu, que a sensualidade na passarela começou a ser questionada em sua forma de representação. Entre algumas referências à moda dos anos 2000, o casting de modelos extremamente magras causou desconforto. Não pela polêmica da cintura baixa em si, mas pela falta de adequação – e atualização – na maneira como a tendência foi apresentada. Algo que se repetiu em diversas marcas nesta estação.

Para entender o que estamos falando basta uma comparação simples. Olhe para as roupas da Miu Miu, para o casting e para o styling (assinado por Lotta Volkova). Depois, assista à apresentação da Savage X Fenty Vol. 3, marca de underwear da Rihanna, e se atente a esses mesmos pontos.

Savage x Fenty Vol. 3

Savage x Fenty Vol. 3Foto: Kevin Mazur/Getty Images para Savage X Fenty Show Vol. 3 de Rihanna, Apresentado por Amazon Prime Video

A cantora e empresária reforça que não são só os corpos com demarcações estritas de gênero e de tamanhos que querem – e podem – se encontrar em transas e performances, seja em um hotel ou na rua, ou simplesmente se sentirem sexy.

Adeus, Michelangelo

“Sempre me senti à vontade com meu corpo, mas não achava uma calcinha fio dental que me servisse”, diz a empresária, ativista e dançarina Thais Carla. Junto ao marido, Israel Reis, ela comanda o sex shop Alitasex. “Para derrubar o tabu de que o corpo gordo é feio, doente e não sexual, nós criamos peças do P ao tamanho que for. A partir do 64 é sob demanda, mas se a pessoa veste 80, ela vai encontrar opção”, explica ela.

“Com as cirurgias plásticas e métodos de perder peso em dois dias, as pessoas tentam ser muito parecidas umas com as outras. Ainda bem que existe um forte movimento online sobre corpos, e acredito que, recentemente, há quem queira se mostrar mais”, opina Thais. “Com o TikTok, por exemplo, as pessoas dançam de roupa colada, mostram a barriga da maneira que é. Apesar de ser muito falso em vários aspectos, as jovens estão mais em contato com essas imagens.”

 

 

Cristian Resende, sócio-fundador do Cartel 011, etiqueta e multimarcas de São Paulo, concorda. Para ele, “os consumidores querem sonhar, mas se reconhecer”. Seja em imagens, vídeos, apps de relacionamento, redes sociais ou no OnlyFans. “As pessoas querem praticar esse erotismo e viver um novo hedonismo”, diz o empresário.

Para Lucia Hsu, fundadora e diretora criativa da marca de moda praia Cosmo Rio, o “resgate da sensualidade tem a ver com a retomada da narrativa, que, por muito tempo, esteve no olhar de Michelangelo, em uma estátua”, declara. “Trabalhamos muito com tule. As clientes querem transparência. Nunca me interessei em fazer o vestido esvoaçante de viscose, a Farm já faz isso. Sempre vi um potencial no justo. Queria fazer algo que não amassasse, pudesse molhar e desse para andar de bicicleta.”

Na visão de Luiza Gil, fundadora e estilista da A.Rolê, “tudo o que é justo é mais fiel”. A marca é conhecida pelo destaque às curvas em peças coladas ao corpo, como macacões, blusas de gola alta, bodies e luvas. “Me baseio em silhuetas, não em pessoas. Na faculdade, fazia um curso de desenho do corpo que falava de proporções. Foi quando me deu um estalo de como o nosso é perfeito”, conta. “Não só aquele corpo do livro de biologia, mas todos, inclusive os que não têm algumas partes, os mais baixos ou mais gordos.”

Modelo em foto da marca Cosmo Rio

Cosmo Rio.Foto: Kenny Hsu

 

Luiza entende a percepção sexual sobre suas roupas, principalmente considerando o endosso de personalidades como Pabllo Vittar, Luísa Sonza e Urias. “Mas nunca foi o objetivo”, conta. “Antes, essas peças ficavam em um nicho, havia muita distância do mundo pop para o nosso. Era aquilo que apenas a Britney (Spears) usava. Hoje, há uma fusão do consumidor com o que ele consome, vem do desejo de pertencer a coisas e lugares, de uma suposta democratização dos corpos.”

Correto, sucesso, saudável

Nas passarelas, redes sociais, filmes ou nas assembleias, debates sobre sexo, sensualidade e a regularização dos corpos, especialmente os das mulheres – com vaginas ou não -, se apoiam na defesa da liberdade, independente para onde o pêndulo esteja apontando. “Quanto mais o discurso sexual circula na mídia, mais ele acaba sendo cerceado”, diz Léa Santana, doutora em gênero e feminismo, com ênfase no estudo de sexualidade.

“Da literatura do século 17 à internet, seguimos aquilo que é do grande conhecimento e gosto. Algo fantástico que tem acontecido, por conta dos movimentos de insurgências (feminista, negro, LGBTQIA+ e outros), é que temos tentativas e sucessos de representações subversivas de identidade. Não apenas sexual, mas geográfica, política e racial. Toda a ideia do que é correto, bem-sucedido e saudável tem se movimentado.”

As proposições sensuais refletem isso, ainda que parcialmente escoradas em significantes engessados e datados – vide a maneira como o corpo seminu aparece na maioria das passarelas. Em termos de design, o desejo por exploração do corpo é forte, tendo a dormência do isolamento como propulsora. Contudo, apesar da maior diversidade nos castings, como pontuado por matéria do The New York Times, ainda há uma enorme resistência quando o assunto é tamanho.

O suposto “retorno do sexy” – que nunca foi totalmente embora, verdade seja dita -, quando focado apenas em recortes e fetichismos, e negligente quanto às formas e identidades que o representam, parece mais uma das frívolas ‘tiradas’ para atrair curtidas.

Porém, há boas novidades que integram produto, corpos e gente e que chamam atenção, principalmente em um contexto “conservador que se alastra em todo o mundo”, destaca Santana. “Ter subversão sexual nas passarelas de Nova York é, ao mesmo tempo, razão e resposta ao sancionamento das leis antiaborto do Texas, que aconteceu no mesmo mês, no mesmo país”, finaliza.

Está matéria foi atualizada: a pedido da Renner, os depoimentos da diretora de estilo da marca foram removidos do texto.

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