Paris Fashion Week: Balenciaga verão 2024

Com desfile com pessoas próximas e queridas do diretor de criação, Demna, a Balenciaga recupera sua influência e relevância em apresentação na Paris Fashion Week.


Kim Kardashian para a coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilada na Paris Fashion Week.
Balenciaga, verão 2024. Divulgação



O convite digital do desfile da Balenciaga nesta edição da Paris Fashion Week era a foto de um quadrado de papel, com as informações anotadas em caneta azul. O da festa, que acontece hoje à noite (01.10) também era a imagem de um guardanapo, só que amassado e com o texto meio borrado, em caixa alta, escrito com caneta hidrográfica preta. Já o da apresentação presencial, na manhã deste domingo, era um livro chamado “La Veste de Tailleur”, que significa a jaqueta sob medida ou a jaqueta de alfaiataria, dependendo da tradução.

Os três formatos representam bem como a Balenciaga está estruturada hoje. Tem a alta-costura, com tudo perfeitinho, mundo dos sonhos, peças exclusivas, feitas sob-medida. Tem o prêt-à-porter, ainda superluxuoso, porém menos nichado e mais abrangente. E tem o que se chama de produtos de entrada – geralmente, são acessórios de couro, tênis, óculos, camisetas e agasalhos de moletom.

Look esportivo de moleton do verão 2024 da Balenciaga desfilado na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

Essa divisão ficou um tanto bagunçada com B.Ozão das campanhas do fim de 2022. Quando a marca voltou à Paris Fashion Week, em março, a coleção de inverno 2023 também não estava meio perdida. Parecia alta-costura, mas não era, sabe?

E Demna, o diretor de criação que não usa mais o sobrenome Gvasalia, sentiu isso. Em entrevistas após o desfile deste domingo, ele comentou sobre a situação e aproveitou o caso para explicar o motivo do verão 2024 da Balenciaga ser basicamente sobre o que ele gosta – e com quem ele gosta (chegaremos lá).

Alfaiataria reconstrúida no verão 2024 da Balenciaga desfilado na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

O título do livro-convite já indica qual é a peça-chave: a jaqueta. As primeiras a aparecer são trench-coats e blazers com proporções bem esquisitas e alterações na posição das costuras.Por exemplo, os ombros são deslocados para frente e para baixo, um pouco acima do peitoral. Por isso, algumas peças parecem ter dois ombros. 

E se alguns casacos parecem ser feitos de dois ou mais outros casacos, é isso mesmo. Muito do verão 2024 da Balenciaga, apresentado nesta Paris Fashion Week, é feito a partir de técnicas de upcycling – os looks de festa principalmente. Não é uma novidade para a marca, muito menos para seu diretor criativo, Porém, é bem mais visível do que em estações anteriores.

Modelo com paletó oversized da coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilada na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

Ainda sobre as jaquetas, tem as bombers volumosas e acetinadas que fizeram sucesso lá por 2015, no comecinho da Vetements, marca co-fundada Demna, e, um pouco depois, retomadas na maison fundada pelo couturier espanhol, hoje parte do grupo Kering.

Tem ainda os casacos de ombros largos e bem marcados – dos pontudos aos arredondados. Além de outros elementos conhecidos como os hoodies, os camisetões, os jeans cargos, os conjuntos de moletom meio desgastados,  as sacolas de feira, os sapatos-meia, as estampas e tecidos de toalha de mesa e os vestidos plissados, alguns com estampas florais.

Vestido florido da coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilado na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

Aliás, uma coisa interessante sobre os plissados é que eles são prensados de forma circular, o que dá todo um outro caimento para a peça e ainda funciona bem para diferentes corpos.

E já que estamos no momento destaques, algumas estampas (as com cara de tatuagem) são assinadas pelo artista brasileiro Pedro Saci, e as bolsas em formato de sapatos marcam o retorno da Balenciaga à corrida por atenção, da qual ninguém consegue se livrar.

Outra técnica usada por Demna no passado e retomada para o verão 2024 é a impressão 3-D. O vestido com efeito molhado de Kim Kardashian foi moldado com essa tecnologia. O look 75, o vestido preto com quadril estruturado, usa um recurso similar. Ele é feito de forma modular, sem nenhuma costura.

Kim Kardashian para a coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilada na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

E o que isso tudo tem de especial? Para começo de conversa a tecnologia, a dedicação, a exploração e experimentação com outras formas de se fazer e costurar roupa. Desde a polêmica das campanhas de 2022, os desfiles da Balenciaga têm sido bem pragmáticos – na alta-costura e no prêt-à-porter.

No de inverno 2023, em março, Demna, afirmou que o foco, a partir de então, seria a roupa e nada além a roupa. Tem muita estratégia de marketing nesse discurso de menos auê e mais produto de qualidade. Vide o aconteceu com o termo quiet luxury nos últimos meses. Vide esta temporada apática e sem personalidade.

Look com estampa feita por artista brasileiro na coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilada na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

Mas na Balenciaga não é bem por aí. Ou apenas por aí. A construção, a técnica e a qualidade são centrais, porém, com o desfile deste domingo aqui na Paris Fashion Week, Demna nos lembra do que vem depois da passarela, do que foge do controle do criador e da marca.

Desde que ganhou fama na moda, primeiro com a Vetements e depois na Balenciaga, o estilista georgiano se diz mais interessado na parte técnica da coisa. Em entrevistas, ele já comparou seu trabalho de pesquisa à antropologia. Ele adora sair para lugares aleatórios e observar como as pessoas se vestem, e como o que elas escolhem colocar no corpo muda suas relações com o mundo, com os outros e consigo mesmas.

Tá aí a grande genialidade de Demna e desta coleção. Cada look tinha uma personalidade diferente. Em vez de modelos quase idênticas, o designer colocou personagens na passarela. E por mais comum ou usual que algumas roupas possam parecer, elas nunca são banais. A maneira como foram apresentadas representam todo o potencial transformador e de construção da moda em relação à individualidade e à sociedade.

Vestido preto drapeado da coleção de verão 2024 da Balenciaga desfilada na Paris Fashion Week.

Balenciaga, verão 2024. Divulgação

Quem abriu o desfile foi a mãe do estilista. Quem fechou, no vestido de noiva feito de pedaços de outros 20 outros vestidos de noiva antigos, foi seu namorado, Loïk Gomez. No casting, teve ainda a jornalista e crítica de moda Cathy Horyn, o ícone da noite de Nova York, Amanda Lepore, a editora e consultora Diane Pernet, um personal trainer, professores da faculdade em que Demna estudou, um arquiteto, um jogador de basquete, uma estudante de zoologia.

Gente(s), indivíduos incapazes (ainda bem) de vestir qualquer roupa sem transparecer suas particularidades, seus corpos, seus gostos, suas personalidade. No fim das contas, a moda acontece de verdade assim, com pessoas, além das semanas de moda, em qualquer lugar.

Se Demna parecia meio esquecido disso nos últimos tempos, parece que ele lembrou de tudo. E como o próprio já provou, até as maluquices mais esquisitas da passarela acabam influenciando novos comportamentos, atitudes e, com sorte, mudanças. Mas isso só se constata do lado de fora da sala do desfile.

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