A roupa de corrida vai para o topo do pódio

Endorfina, senso de pertencimento, estilo e performance fazem da roupa de corrida a nova obsessão do circuito de streetwear.


Modelo agachada com roupa de corrida da marca DT2, a nova linha da Pace.
Modelo de roupa de corrida da DT2, nova linha da Pace Foto: Tauana Sofia



No Instagram, é cada vez mais comum ver perfis ostentando o menor pace possível, ou melhor, o ritmo médio por minuto que um corredor consegue percorrer um quilômetro. O lifestyle endorfinado, que procura mais bem-estar, já é chamado de running era nas redes sociais e tem visual próprio, com direito à roupa de corrida tecnológica e design cada vez mais elaborado. 

Só no Brasil foram realizadas 150 mil corridas de rua em 2023, segundo a Associação Brasileira de Corridas de Rua (ABCR). Comparado ao ano anterior, o aumento é de 13% no número de participantes. Estima-se que são aproximadamente 13 milhões de corredores em todo o país. E isso tem impactado significativamente o mercado de vestuário De acordo com a Research & Markets, o setor de roupa de corrida deve alcançar 16 bilhões de dólares até 2028. 

Detalhe da roupa de corrida da marca High Minded.

Roupa de corrida da High Minded. Divulgação.

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O The Financial Times já até mandou avisar: as maratonas mais famosas do mundo estão virando verdadeiras semanas de moda para seus atletas. Isso porque o tal do running day deixou de ser um único dia focado na prova para se transformar em uma running week, com eventos e ativações de marcas aproveitando o público reunido em um só lugar.  

Em abril, durante a maratona de Paris, por exemplo, a Satisfy, uma etiqueta francesa de corrida, ofereceu um workshop de customização de camisetas, enquanto a japonesa Asics promoveu corridas de 5 e 10km. No mês de março, durante a maratona de Tóquio, as etiquetas estadunidenses Tracksmith e Noah se juntaram para abrir uma pop-up com roupas da parceria. 

“Em 2020, com a pandemia, vimos um impacto no comportamento do consumidor”, diz Soledad Huidobro, especialista de tendências do WGSN. “Surgiu daí o desejo maior de entrar em contato com a natureza e a valorização do esporte ao ar livre. Como resultado, a corrida virou uma prática que une as pessoas e as desafiam individualmente, além de proporcionar prazer diário.”

Modelo com roupa de corrida da marca Satisfy.

Lookbook da Satisfy. Divulgação.

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E não só. Com o esporte em ascensão, conglomerados e marcas de moda têm aproveitado para se infiltrar no setor por meio de linhas de athleisure e colaborações. Jun Takahashi, da Undercover, assina com a Nike a GYAKUSOU, braço dedicado a roupas de corrida que unem design e performance. Em setembro de 2023, o grupo italiano Ermenegildo Zegna adquiriu uma participação minoritária da canadense Norda, fundada por Nick e Willamina Martire, dois anos antes.

A suíça On tem colaborações com a espanhola Loewe desde 2022. Em maio deste ano, a grife lançou uma nova coleção-cápsula, que inclui uma versão exclusiva do modelo de tênis Cloudtilt 2.0, além de parkas, puffers, leggings, shorts e tops com materiais leves. Recentemente, a etiqueta ainda anunciou um contrato de parceria com a atriz e ícone fashion Zendaya. 

Na esteira dos grandes players, todo um universo de oportunidades se abre para novas casas, como a Soar, Satisfy e District Vision. Essa última, a título de curiosidade, tem o seu monograma desenhado por Filip Pagowski, o mesmo artista responsável pelo logo de coração da Comme des Garçons Play.

Modelos com roupa de corrida da marca Carnan.

Looks da Carnan para prática de corrida Divulgação.

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E o Brasil também não está atrás. A paulista Pace, fundada por Felipe Matayoshi, expandiu o portfólio de produtos da casa ao lançar, há dois meses, a sua linha esportiva que recebeu o nome de DT2, ou Don’t Think Twice. Ela é composta de regatas, meias de compressão e shorts com camada dupla para evitar a fricção. 

No mesmo mês, a conterrânea Carnan colaborou com a Asics em uma coleção de 15 peças, entre elas shorts de corrida, jaquetas corta-vento e uma releitura do tênis GEL-Quantum 360. Enquanto isso, a High Minded, de Rafael Varandas, nome também à frente da Cotton Project, cria uma abordagem que oferece qualidade e acessibilidade para quem quer investir em activewear.

Roupa de corrida na linha evolutiva do streetwear?

Para o estudante de medicina e corredor Afonso Amaral, 28, a popularização das corridas está na praticidade e no senso democrático do esporte. “A corrida não te julga, exclui ou pressiona, apenas melhora a vida de quem tem um par de tênis para começar”, diz ele. “É um esporte sem burocracia. Não precisa pagar mensalidade ou envolver terceiros.” 

AFONSO AMARAL

Afonso Amaral. Divulgação.

Corredor desde 2017, Afonso compartilha em seu perfil do Instagram sua rotina de treinos de forma bem-humorada. “Comecei a postar os conteúdos para documentar o processo do meu primeiro grande desafio: correr 42 quilômetros”, explica. “Mas virou uma motivação para outras pessoas.”

É relativamente simples formar um grupo de corrida que compartilha um lifestyle, formando uma cultura desse esporte. Em razão disso, muitos ousam dizer que o mercado de roupa de performance é o candidato mais favorável na linha de sucessão do streetwear na moda.  

Dex Magalhães correndo.

Dex Magalhães. Divulgação.

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“Vejo na corrida o mesmo senso de comunidade do skate: todo mundo se apoia e incentiva”, fala Dex Magalhães, 28, fotógrafo e co-fundador do coletivo de corrida carioca 5AM Running Club. “É importante que o ambiente seja acolhedor, respeitoso e divertido. A corrida é um esporte para todos os corpos e idades.”

Ainda que seja também para todos os bolsos, a injeção de moda colabora para o surgimento de roupas de performance cada vez mais elaboradas e caras. Parecido com a cena do hype, fomentada pelo streetwear nos últimos anos, os tênis de corrida viraram as novas relíquias que somem em poucos minutos das prateleiras e formam filas por drops exclusivos. 

“Hoje, tudo cresceu a ponto de não ser só sobre o esporte”, analisa Felipe Ribeiro, 29. Corredor e fundador da marca de revenda de streetwear The Game Collective, ele identifica muita similaridade entre o mercado de roupa de corrida e o de moda de rua. 

Corredor Felipe Ribeiro durante prova.

Felipe Ribeiro. Divulgação.

Ao querer fazer parte de uma comunidade, trocar interesses em comum e gerar identificação, cria-se também uma distinção. “Da mesma forma que um sneakerhead identifica um entusiasta do assunto pela exclusividade do seu tênis que ele usa, os corredores sacam um companheiro de esporte pelo relógio Garmin.”  

Felipe lembra que, nas redes sociais, os posts de “kits de corrida” agora são tão comuns quanto os de looks do dia. Para ele, a simbiose entre o esporte e o streetwear é tanta, que a corrida influencia em sua empresa e vice-versa. Além de incluir produtos de athleisure no portfólio da The Game, ele fomenta encontros esportivos. 

O sucesso reside nas conexões e no senso de pertencimento a uma tribo. “As redes têm um papel importante no ‘boom’ e eu mesmo fui influenciado por isso”, conta Dex. “Acho ótimo que tenha virado moda, porque poucas vezes um hábito saudável ocupa esse lugar”, ele finaliza.  

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