Balenciaga: de Cristóbal a Demna
A Balenciaga lançou um game para apresentar a sua nova coleção. Neste episódio, a gente comenta o jeito completamente novo de mostrar uma temporada e aproveita para mergulhar na história dessa casa que sempre olhou para o futuro.
- No dia 6 de dezembro a Balenciaga liberou o videogame Afterworld: The Age of Tomorrow para apresentar a sua coleção de inverno 2021.
- De Cristóbal Balenciaga a Demna Gvasalia: os 103 anos de história dessa grife que nasce na Espanha e conquista o mundo ao olhar para o futuro;
- E ainda: a queda da Top Shop; a saída de Natacha Ramsay-Levi da Chloé e a volta de Alber Elbaz à alta-costura.
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Não dá para negar: a pandemia de Covid-19 forçou as apresentações de moda a saírem da caixinha. A Gucci, por exemplo, fez um festival de curtas metragens para mostrar as suas peças da estação. E a Balenciaga? Bem, ontem, dia 6 de dezembro, a Balenciaga desenvolveu nada menos do que um game inteiro para mostrar o seu inverno 2021.
Neste episódio a gente não só fala um pouco mais desse jeito completamente novo de mostrar uma coleção, como também aproveita para mergulhar na história dessa casa de 103 anos, que, desde a sua fundação, tem sede de futuro como nenhuma outra.
Eu sou a Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. E você está ouvindo o Pivô, podcast que reúne as principais notícias de moda da semana comentadas pela equipe da ELLE Brasil.
Lembram quando os desfiles aconteciam em um determinado lugar? Bem, 2020 derrubou por completo esse tipo de apresentação, a física, e isso a gente já sabe. Mas eu, sinceramente, nunca imaginei que teria que jogar um videogame para conhecer a nova temporada de uma grife.
Realmente, Pat, a Balenciaga surpreendeu a todos quando decidiu montar um game para mostrar a sua coleção de inverno 2021. Ou seria 2031? Pelo menos no jogo Afterworld: The Age of Tomorrow, lançado ontem pela grife, o tempo é esse: tanto o game, quanto a coleção se passam nesse futuro próximo, daqui uma década.
Quem joga embarca em uma aventura do tipo “jornada do herói”, em busca de um destino, passando por diferentes zonas e completando tarefas e interações em 2031. Como diz o comunicado da própria marca, para vencer o jogo basta chegar ao fim e “transcender o além”. O herói vira o mestre de dois mundos, o real e virtual, podendo se mover entre eles. O prêmio do jogador, segundo a casa? “Respirar na vida real por meio de uma utopia ambientada no virtual.”
E para desenhar o futuro a marca não poupou esforços. A conceitualização vem de estudos sobre arquétipos do herói, do escritor e acadêmico norte-americano Joseph Campbell. Já os ambientes e as personagens usam fotogrametria de última ponta e a mais avançada tecnologia para hospedagem de jogos, de acordo com a casa. Além disso, com o game, eles bateram um recorde: o de maior projeto de vídeo volumétrico já realizado. Para explicar rapidinho, vídeo volumétrico é a técnica de captar tridimensionalmente um espaço.
Antes mesmo da pandemia chegar, o diretor criativo da Balenciaga, Demna Gvasalia, já tinha pedido à sua equipe para que imaginassem como seria a moda em 2030, revelou o estilista em uma entrevista à crítica de moda do The Cut, a Cathy Horyn. “Do que o mundo vai precisar? E por que não podemos já começar a desenvolver isso agora?”, foi o que ele questionou. E uma das grandes conclusões é a de que não precisamos de tantos produtos assim. Pensar de uma maneira mais sustentável é o que ele tem feito cada vez mais na Balenciaga, que em sua última coleção, por exemplo, fez mais uso de upcycling.
Essa experiência não significa, óbvio, que a Balenciaga vai deixar de fazer produtos físicos e muito menos que ela vai se despedir das passarelas. Um retorno ao desfile, inclusive, já é projetado pra julho de 2021, quando a casa volta a ingressar o line-up da semana de moda de alta-costura. Mas é esse espírito de sempre provocar o mundo com uma ideia de futuro que caracteriza a marca e faz de Demna Gvasalia um dos nomes mais interessantes a ocupar a direção criativa da grife. E é por isso, que no episódio de hoje a gente aproveita a deixa para mergulhar na história de 103 anos dessa casa.
Christian Dior o chamou de “o mestre de todos nós”. Coco Chanel disse que ele era o único dos costureiros autênticos, pois tinha um controle da peça que ia do desenvolvimento do tecido, passando pelo corte e chegando a costura. Oscar de la Renta, Pierre Cardin e Emanuel Ungaro foram alguns de seus aprendizes. Hubert de Givenchy, outro protegido do couturier, afirma que Balenciaga foi o maior arquiteto da alta-costura.
Uma das figuras mais importantes da moda do século 20, Cristóbal Balenciaga, no entanto, teve uma origem bem menos pomposa. Basco, ele nasceu em 1895, em Getaria, uma pequena vila de pescadores que fica localizada no norte da Espanha.
A mãe de Balenciaga, Martina Eizaguirre, era a costureira da tradicional família Casa Torres, principalmente da marquesa de Casa Torres. Com o trabalho, ela cuidava dos três filhos, incluindo Cristóbal, porque o pai das crianças havia falecido bem jovem.
Foi a mãe de Cristóbal quem o ensinou a costurar, no casarão de verão dos Casa Torres, o Palácio Aldamar, que hoje inclusive está acoplado ao Museu Cristóbal Balenciaga. A marquesa de Casa Torres, uma influente senhora da época, foi a sua primeira apoiadora. Já naquele tempo, o jovem demonstrava domínio absoluto da costura, o que viria a ser a sua maior característica.
San Sebastián era uma cidade em crescimento, em função do turismo no Golfo da Biscaia, que contava com a presença da própria corte espanhola na região, durante algumas temporadas. E é por isso que, aos 22 anos, Cristóbal decide abrir o seu primeiro ateliê lá, em 1917, com o seu nome completo batizando a casa. Em 1927 ele decide diversificar os negócios criando mais uma marca, a EISA Costura, uma homenagem ao sobrenome de solteira de sua mãe. O sucesso vem e ele abre filiais em Madri e Barcelona.
Influenciado diretamente pela França, Balenciaga viajava, comprava modelos e levava para casa, na Espanha, para desmontar e conferir cada detalhe dos vestidos de grandes nomes da época, como Madeleine Vionnet. Na década de 1920, ele recebe a autorização até mesmo da própria Lanvin para reproduzir alguns modelos da maison francesa. Mas ele não olhava só para a capital da moda não. Ficava atento ainda a países como o Japão e a China, o que certamente viria a influenciar a sua silhueta mais solta do corpo, além da alfaiataria inglesa.
Em 1937, no entanto, em função da Guerra Civil Espanhola, ele deixa o país e parte para a França. No mesmo ano abre a loja Balenciaga e apresenta a sua primeira coleção um ano depois. Cristóbal Balenciaga tinha, então, 42 anos, era um costureiro experiente e desde a sua primeira apresentação foi reconhecido e comemorado pela mídia.
E é aqui que o jogo se inverte e o costureiro passa a olhar pra Espanha em Paris, e não o contrário. A influência ibérica está no seu olhar aos majos e majas, cidadãos espanhóis que tinham um jeito marcante e pomposo de vestir e foram bastante pintados por Francisco de Goya.
Esse seu olhar para o vestuário histórico, principalmente no começo da carreira, vai fazer o designer mergulhar pelos cortes dos boleros à la toureiros, pelos tecidos ultra bordados, pela alusão da roupa rica da Espanha Renascentista e Barroca. A sacada é que tudo isso arrebatava os corações franceses.
Mas Balenciaga foi aperfeiçoando e muito a construção de silhuetas ao longo de sua vida, criando, assim, formas mais simples e puras, o que viria a se tornar a sua grande assinatura. Isso fez com que ele fosse reconhecido como um escultor de roupas, ou um arquiteto da moda. Ombros mais largos, um afrouxamento na cintura fizeram um contraponto ao New Look ultrafeminino e acinturadíssimo de Dior.
E é por isso que ao longo da década de 1950 e de 1960 que a Balenciaga vai viver a sua era de ouro, cheia de hits. Em 1953 vem a balloon jacket, que formava um desenho esférico na parte de cima do corpo. Em 1955 surge o vestido túnica, liberando a cintura e os movimentos da mulher. Em 1957 é a vez do vestido saco, que assustou os jornalistas, mas caiu como uma luva, ou melhor, como um saco bem libertário e funcional para as mulheres que cada vez mais passavam a trabalhar fora.
Além disso, fica para a história a intensa pesquisa e inovação na criação de tecidos mais estruturados com os quais ele pôde criar formas mais arrojadas. Com toda essa expertise, o costureiro passou a vestir nomes como Ava Gardner, Gloria Guinness, Mona Von Bismarck. Aliás, segundo Diana Vreeland, quando von Bismarck soube que Balenciaga havia fechado a sua marca em 1968, para se aposentar, ela não saiu do quarto por três dias. Quatro anos depois, em 1972, Cristóbal morre.
A empresa fica fechada por 19 anos, até que uma companhia familiar de cosméticos, a The Bogart Group adquire os direitos da grife. Para assumir a Balenciaga, entra o estilista francês Michel Goma, que cria o ready to wear na casa e trabalha nela até 1992. Neste ano ele é substituído pelo estilista holandês Joseph Thimister. Ele deixa a grife em 1997, após um desfile bem pouco celebrado, com uma trilha sonora eletrônica que atordoou boa parte do salão e fez convidados deixarem o evento.
É neste mesmo ano que a casa vai receber um nome que colocaria a marca no auge mais uma vez: Nicolas Ghesquière. Vale dizer também que em 2001 o Grupo Gucci, então parte da PPR, que viria a ser o grupo Kering de hoje, adquire a Balenciaga. Ghesquiére fica por 15 anos, até 2012, e a sua perícia na criação de silhuetas trouxe mais uma vez um jeito arquitetônico de fazer moda, que ecoava o traço do mestre, mas de maneira contemporânea. Ele desenhou a primeira it bag da Balenciaga, a Lariat, usada por Kate Moss e desejada por todos, além de incluir a moda masculina na casa.
Em 2012 chega o designer Alexander Wang, que fica na grife por seis temporadas. Com seu olhar bastante jovem e a inserção de elementos esportivos nas roupas, Wang fez a cabeça de celebridades como Lady Gaga, Julianne Moore e Zoe Kravitz.
Mas é em 2015 que a marca faz a sua movimentação mais ousada: Demna Gvasalia. O estilista havia trabalhado na Maison Margiela, na Louis Vuitton mas despontava, mesmo, para o público em geral com as suas criações no coletivo Vetements, a marca lançada em Paris no ano de 2014 com uma moda atrevida, irônica, duramente real.
Nascido na década de 1980, na Geórgia, Demna Gvasalia viu de perto a guerra civil no país durante a década de 1990 e foi parar na Alemanha. O designer fala sete idiomas, se formou em economia e, depois, em moda na tradicional Royal Academy of Fine Arts, na Antuérpia. Depois de apenas três temporadas com o coletivo Vetements foi indicado ao prêmio LVMH. François-Henri Pinault, presidente e executivo da Kering, ao explicar a contratação de Gvasalia para assumir a casa, chamou o estilista de “força poderosa no mundo criativo hoje”.
E não mentiu. Em março de 2017, Gvasalia ganhou o CFDA por seu trabalho na Vetements e na Balenciaga. Em 2019, o designer deixou o coletivo para se dedicar integralmente a casa espanhola.
Na Balenciaga, ele criou hits como o sapato-meia, o Speed Sock, ou o tênis feio, também conhecido como Triple S. Até mesmo um jeito de vestir, como a jaqueta caída dos ombros, replicada mundo afora em editoriais e poses de streetstyle. Dialogando com o mundo de hoje, mas sempre imaginativo, ele já criou uma passarela que remontava o salão parlamentar de um governo e em outra estação, colocou modelos para desfilar em um ambiente que ecoava o fim do mundo.
Case nas redes sociais, a Balenciaga trouxe o uso de memes para a moda, cutucando a indústria para não se levar tão a sério assim. Mas também não se alienar e ter também consciência política, social e ambiental. Esse jeito de criar não só uma marca, mas também uma cultura, fez com que a empresa dobrasse as suas vendas anuais para US$ 1 bilhão de dólares, desde que o designer assumiu.
De acordo com o fotógrafo Cecil Beaton, Cristóbal Balenciaga “inventou o futuro da moda”. Bem, ao que tudo indica, Demna Gvasalia segue muito bem esses passos.
A queda da Top Shop
Mais um império varejista de moda fez água neste ano nada fácil que foi 2020. No dia 30 de novembro, o grupo Arcadia, do bilionário britânico Philip Green, entrou com pedido de concordata em Londres. O grupo controla as marcas Topshop e Topman, Miss Selfridge, Burton, Dorothy Perkins, Evans e Wallis.
O lockdown e a consequente crise no varejo decorrentes da pandemia de Covid-19 foram um baque nos negócios do Arcadia, mas o fato é que a empresa já vinha atravessando dificuldades financeiras há bastante tempo.
No Brasil, a abertura da Topshop em 2012 foi um acontecimento. A rede chegou a ter quatro lojas no país, mas a última foi fechada em 2016. O grupo Arcadia detém mais de 400 lojas e, por enquanto, ainda não se sabe qual será o destinos dos cerca de 13 mil funcionários da empresa.
Mudanças na Chloé
Um post no Instagram da estilista Natacha Ramsay-Levi pegou todo mundo de surpresa na semana passada. Pela rede social, Natacha anunciou que estava deixando a Chloé, onde há quatro anos ocupava o cargo de diretora criativa e vinha fazendo trabalho bastante elogiado. Antes de entrar para a grife francesa, a estilista já havia passado pela Balenciaga, onde trabalhou ao lado de Nicolas Ghesquière, e também pela Louis Vuitton.
Em seu post, Natacha diz que os acontecimentos dos últimos meses no mundo a fizeram refletir sobre seu futuro e prioridades. De acordo com a estilista: “nos últimos meses de turbulências social, econômica e na saúde, tenho refletido sobre as mudanças que quero ver em nosso setor e como alinhá-las melhor com meus próprios valores criativos, intelectuais e emocionais. É essa reflexão que me leva a pensar o meu futuro de forma diferente e a desejar ir atrás de novas oportunidades.” Natacha agradece a Chloé pela oportunidade, pelo apoio da marca na sua decisão de sair e não dá nenhuma pista de que esteja indo para outra maison.
Para o lugar de Natacha na Chloé, no entanto, já começam as especulações. O influenciador digital Brian Boy, por exemplo, cogitou o nome da designer uruguaia Gabriela Hearst. Só para lembrar, Gabriela ganhou recentemente o prêmio de estilista de moda feminina do ano pelo CFDA.
Alber Elbaz na semana de alta-costura!
A Federação Francesa da Alta Costura e da Moda e anunciou na última quarta-feira as datas da próxima semana de alta-costura, além de novidades neste que é considerado o evento mais importante do luxo no mundo. Os shows em Paris acontecerão entre os dias 25 e 28 de janeiro de 2021 e contarão com algumas estrelas especiais.
A primeira delas é uma velha conhecida da moda, que muitos fashionistas aguardam ansiosos pelo seu retorno: Alber Elbaz, que agora comanda a AZ Factory. O designer, que já passou por casas como Guy Laroche e Saint Laurent, fez história mesmo durante os 14 anos no qual atuou como diretor criativo da Lanvin.
E a outra grande novidade é a estreia do artista e estilista norte-americano Sterling Ruby, um dos maiores colaboradores de Raf Simons. Já anota na agenda porque estaremos de olhos bem atentos ao que esses dois apresentarão no ano que vem.
E quem dá a dica da semana é a autora de textos que, provavelmente, você já leu no nosso site. É a Clara Novais, jornalista que escreveu matérias hits como a história do tie-dye e, mais recentemente, as curiosidades sobre a série o Gambito da Rainha. E ela vem com uma dica musical direto de BH. Fala, Clara!
“Oi, gente! A minha dica é a banda mineira Rosa Neon. Eles têm um álbum lançado em 2019 e alguns singles mais recentes com a participação de artistas conterrâneos e brilhantes, como Djonga e a dupla Hot Orelha. O som é aquele popzinho dançante bem brasileiro, com um mix de influências que inclui funk, brega, sofrência e outras delícias da cultura nacional. Tudo com uma pegada ultramoderninha. É um som bem gostoso, tanto pra curtir sozinho, com sua própria companhia, quanto pra animar a reunião com os amigos ou alegrar a pistinha no mundo pós-vacina. Pelo meu sotaque, deve ter gente achando que isso aqui é bairrismo puro. Mas pode confiar: Rosa Neon é bom demais! Minas tem uma cena musical muito bonita, de qualidade excelente, que o Brasil precisa conhecer melhor. O Rosinha pode ser a porta de entrada para esse universo musical maravilhoso. Vamos nessa?”
Este episódio usou trechos da ópera Goyesca, de Enrique Granados, de Aunque es de Noche, de Rosalía, Não tô dando conta, do Rosa Neon, e do desfile de inverno 2020 da Balenciaga.
E nós ficamos por aqui. Eu sou Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. Siga Pivô Podcast em sua plataforma de preferência para que seja notificado toda vez que um episódio novo estiver no ar. Até semana que vem!
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