Pequeno guia do drink com cachaça

A cachaça não é uma, são muitas. E cada família de coquetéis pede seu estilo de caninha. Aprenda as melhores combinações e receitas de drinks autorais com o destilado símbolo nacional.


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Caju Brother: receita de Chris Carijó para o Preto Cozinha. Foto: Laís Acsa



“Ainnnn, cachaça?” O bartender dedicado ao destilado brasileiro de cana-de-açúcar ainda ouve muitas interjeições de desaprovação por aí ao sugerir um drink com cachaça. Ela, porém, ignora as esnobadas e está cada vez mais presente na carta de bares e restaurantes que trabalham com boa coquetelaria. Tipo caminho sem volta.

Chris Carijó, chefe de bar do restaurante Preto Cozinha, em São Paulo, tem um jeito maroto de fazer com que a clientela cabreira ao menos prove algumas de suas invenções com cachaça. “Digo que, se a pessoa não gostar, pode devolver. Mas é muito raro alguém devolver um coquetel com cachaça”, conta, autoconfiante.

Para além das questões culturais e dos preconceitos, a dificuldade de entender e apreciar a cachaça é que ela não é uma só. São muitas. “Além da cachaça prata, que não passa por madeira, temos mais de 30 madeiras permitidas para seu armazenamento ou envelhecimento. Tempos diferentes de passagem pela mesma madeira vão trazer características também diferentes à bebida”, explica Carijó.

É claro que quem já provou cachaça de baixa qualidade (quem nunca?) tem motivos para preferir bourbon ou um bom gim inglês. Um breve passeio pelo mundo da caninha, no entanto, é suficiente para que se descortinem novos horizontes. Uma fina cachaça com passagem por jequitibá, seca e aromática, pode ser o começo. Ou, para quem se acostumou a destilados bem amadeirados, um exemplar envelhecido em carvalho. Amburana tem feito sucesso, por levar à cachaça dulçor e muito aroma de especiarias.

 “A diferença está em conhecer bons produtos e encontrar as cachaças que se encaixam no seu perfil. Pode levar algum tempo e alguma pesquisa e é sempre recomendável buscar produtores regulamentados, pois há muita informalidade no setor”, diz Thiago Ceccotti, estudioso da cachaça e bartender no Palito Bar, de Belo Horizonte. Alerta de perigo: cachaças de produção informal podem trazer danos irreparáveis à saúde.

Além das mais de 30 madeiras possíveis, há mais de 400 variedades de cana-de-açúcar, cultivadas em todos os estados brasileiros – haja terroir. Cuidados e processos de fermentação e destilação contam muito e, mesmo usando o mesmo tipo de madeira, dois produtores podem chegar a resultados bem distintos. Fora que é possível fazer blends, mesclar líquidos que passaram por madeiras diferentes. Tem cachaça com até sete madeiras misturadas. Complica. Mas é gostoso.

barril de cachaça

O sabor da cachaça muda com o tipo de madeira do barril usado no seu envelhecimento. Foto: Getty Images

Esses resultados dependem de quanto tempo a cachaça descansou, se o barril foi tostado ou não (e o quanto foi tostado), do tamanho do recipiente, se a madeira é nova ou já foi usada várias vezes (barris velhinhos não passam quase nada para a bebida). Aí a gente começa a entrar em detalhes mais específicos: existem cachaças armazenadas e envelhecidas. De acordo com a lei, para chamar-se envelhecida, ela deve ter passado por barris de até 700 litros. Já as armazenadas repousam em tonéis de mais de 700 litros. 

Por tudo isso, pensar em coquetelaria com cachaça não é tão simples, concordam Thiago e Carijó. Tirando o carvalho, usado em todos os cantos do mundo, todas as outras madeiras são brasileiras, que muitas vezes levam a perfis pouco parecidos com os dos destilados internacionais. Tem pau-brasil, castanheira, canela sassafrás, freijó, cerejeira, goiabeira, jatobá, cumaru, jaqueira… E mais algumas em processo de registro, outras aguardando para entrar nele. Se a fila andar, Carijó contabiliza que, até 2030, teremos mais de 50 madeiras permitidas para o envelhecimento de cachaça. Mas vamos com calma.

Para entrar nesse mundo, os bartenders sugerem um guia da cachaça branca e das envelhecidas ou armazenadas em algumas das madeiras mais populares. Também dão dicas de como substituí-las em receitas clássicas e ensinam alguns drinks autorais. Então, comecemos pelo básico.

CACHAÇA SEM PASSAGEM POR MADEIRA

Cachaça Prata:  esse tipo de cachaça não passa por madeira e descansa em tanques de inox por algum tempo antes de ser engarrafada. Nela, o dulçor e a acidez geralmente estão mais presentes, assim como os aromas frutados e florais da cana. Alguma picância, vinda dos processos de fermentação e destilação, também é esperada. Uma boa prata costuma equilibrar essas características.
Carijó recomenda usar a prata em drinks mais cítricos e encorpados, como a Caipirinha, as batidas ácidas, como a de limão e a de maracujá, e coquetéis sour em geral. Thiago sugere o Morrito, subversão do Mojito com cachaça no lugar do rum.
Alguns rótulos: Tiê Prata (MG), Famigerada Bruta (MG), Sapucaia Cristal (SP), Weber Haus Prata (RS), Bem Me Quer Prata (MG), Batista Prata (MG), Princesa Isabel (ES), Saliníssima Prata (MG).

COMO AS MADEIRAS INFLUENCIAM NA CACHAÇA

Jequitibá, amendoim, ipê

Madeiras mais neutras (podemos chamá-las de “levinhas”) geralmente são usadas para armazenar a cachaça. Elas não costumam transferir à bebida um perfil amadeirado muito intenso, às vezes nem chegam a colorir o líquido, mas interferem (de maneira boa, é o que se espera) em algumas características da cachaça pura.
Jequitibás rosa e branco cortam o dulçor da pinga. Amendoim ameniza a acidez. Freijó arredonda a cachaça e diminiu sua picância. Ipê também deixa o destilado mais leve e seco. “São as melhores opções para drinks longos, como o Highball, pois trazem notas de sabor que já são uma partida para misturar a outros ingredientes”, diz Carijó.
Entre as sugestões dos bartenders, estão Tom Collins com jequitibá, Mojito com cachaça de amendoim, Dry Martini com ipê.
Alguns rótulos: Cachaça da Tulha Jequitibá (SP), Princesa Isabel Jequitibá (ES), Tiê Jequitibá (MG), Poço da Pedra Jequitibá (BA), Jaceaba Jequitibá (MG), Capueira Jequitibá (GO), Mato Dentro Amendoim (SP), Engenho São Luiz Amendoim (SP), Reserva do Zito Ipê (MA), Magnífica Tradicional Ipê (RJ).

Amburana

A sommelière de cachaças Isadora Fornari costuma dizer que Amburana é uma garota revoltada. Onde aparece, faz escândalo. De fato, é uma madeira capaz de transferir seu temperamento ultrapotente para a cachaça em pouco tempo. Aparecem bastante dulçor, notas bravas de canela, cravo e outras especiarias.
Amburana vai bem em coquetéis frutados, com morango, framboesa, amora, mirtilo, cereja – enfim, toda a família das berries. Clover Club, Martinez (com amburana de tosta alta), Aviation e sours são clássicos possíveis com amburana. Thiago Ceccotti indica a releitura do Espresso Martini, em que o espírito da amburana faz bela harmonia com o café.
Alguns rótulos: Weber Haus Amburana (RS), Mineiriana Amburana (MG), Harmonie Schnaps Amburana (RS), Guaraciaba Amburana (MG), Salinas Amburana (MG), Batista Amburana (MG), Cachaça da Quinta Amburana (RJ), Velho Alambique Amburana (RS). 

Bálsamo

O bálsamo ganhou destaque por seu uso em Salinas, uma das regiões mineiras mais famosas de produção de cachaça. Vem com muita especiarias, como anis e noz-moscada. Também pode trazer traz um herbal potente, de folhas secas, um toque terroso e de raízes. Alguma adstringência (amarração na boca) e, às vezes, um quê de amargor.
“É o uísque de centeio da cachaça, tem um perfil seco e desafiador”, diz Thiago. Por isso, ele recomenda o bálsamo para preparos clássicos como Manhattan e Sazerac. Macunaíma, nova moda brasileira, também merece essa madeira. Carijó sugere cachaças com passagem mais leve por bálsamo para o Rabo de Galo ou para o Negroni. “Para a Cachaça Tônica, é a melhor opção.”
Alguns rótulos: Salineira Bálsamo (MG), Matriarca Ouro (BA), Poço da Pedra Bálsamo (BA), Havana (MG), Anísio Santiago (MG), Boazinha (MG), Seleta Mix (MG).

Carvalho

É fácil reconhecer o perfil do carvalho americano ou europeu. Estamos bastante acostumados aos dois, por causa do bourbon e do uísque escocês, respectivamente. O americano traz baunilha, chocolate branco, frutas secas, notas mais adocicadas. O carvalho francês é mais seco, mas com presença de notas amendoadas.
A equivalência com os drinks clássicos é fácil. Para misturas tradicionais com bourbon, como Old Fashioned, Boulevardier e Manhattan, vá de americano. Para drinks como Penicillin, Rob Roy e Mark Twain, figurinhas carimbadas do scotch, prefira o europeu, mais especificamente, francês.
Alguns rótulos
Carvalho americano: Gouveia Brasil Teor Intenso (MG), Porto do Vianna (MG), Sebastiana Carvalho Single Barrel (SP), Cachaça da Tulha Carvalho (SP), 1000 Montes Carvalho (MG), Prosa Mineira Extra Premium (MG), Dom Bré Extra Premium (MG).
Carvalho francês: Santo Grau Itirapuã Reserva (SP), Sapucaia Velha (SP), Maria Izabel Ouro 4 Anos (RJ), Quinta das Castanheiras Ouro (MG), Vale Verde Extra Premium (MG), Yaguara Orgânica (RS), Reserva 51 Carvalho Francês (SP).

RECEITAS DE COQUETÉIS AUTORAIS COM CACHAÇA

Cajuína, geleia de jabuticaba, xarope de gengibre e até goiabada. Confira criações de bartenders para fazer a caninha brilhar.

Caju Brother

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Caju brother: com compota de caju e cajuína. Foto: @preto.cozinha

Receita de Chris Carijó

60 ml de cachaça prata
50 ml de cajuína
30 ml de suco de limão-cravo
30 ml do líquido da compota avinagrada de caju*
Hortelã e caju em compota para finalizar

*Numa panela, junte 200 g de caju em pedaços, 100 g de açúcar e 100 ml de vinagre de maçã. Ligue o fogo e deixe reduzir até 50% do volume original. Espere esfriar e mantenha a compota refrigerada.

Modo de preparo

1. Coloque todos os ingredientes com gelo numa coqueteleira gaseificadora (tipo iSi), bata e depois adicione o gás.

2. Coe para um copo baixo.

3. Decore com um pedaço de caju avinagrado e uma folhinha de hortelã.

Dica: caso não tenha uma coqueteleira gaseificadora, você pode preparar o Caju Brother batendo os ingredientes numa coqueteleira comum. Finalize com um splash (quer dizer um pouquinho, na linguagem de bar) de água com gás. Não ficará do mesmo jeito que foi pensado, mas continuará tendo muito sabor.

Apothekose

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O Apothekose pode ser feito com diferentes tipos de licor de ervas. Foto: Divulgação

Receita de Thiago Ceccotti

Ingredientes

40 ml de cachaça prata
15 ml de vermute seco
10 ml de Cynar
5 ml de licor de ervas (Fogo Paulista, Drambuie, Benedictine, Jägermeister, Bizantino ou Abadia)
Casquinha de limão-siciliano para finalizar

Modo de preparo

1. Mexa os ingredientes no copo de misturas com gelo.

2. Coe para um copo baixo com gelo novo.

3. Decore com a casquinha de limão-siciliano.

Ipê Martini

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O clássico Dry Martini também pode ser feito com uma boa cachaça envelhecida em ipê. Foto: @preto.cozinha

Receita de Chris Carijó

Ingredientes

70 ml de cachaça de ipê
10 ml de vermute seco
2 gotas de solução salina
Azeitonas para finalizar

Modo de preparo

1. Mexa os ingredientes num copo de misturas com bastante gelo.

2. Coe para uma taça martíni previamente resfriada.

3. Decore com azeitonas.

Colonial

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Colonial: geleia de jabuticaba agrega doçura e cor. Foto: Divulgação

Receita de Thiago Ceccotti

Ingredientes

45 ml de cachaça de jequitibá
30 ml de suco de limão-taiti
2 colheres de chá de geleia de jabuticaba
45 ml de água com gás para completar
Rodela de limão para finalizar

Modo de preparo

1. Na coqueteleira, dissolva a geleia na cachaça, com ajuda da colher de bar.

2. Adicione o suco de limão, muito gelo e bata vigorosamente.

3. Faça coagem dupla (com ajuda de uma peneira fina) para um copo alto com gelo.

4. Complete com água com gás e mexa suavemente.

5. Decore com a rodela de limão.

Tabaroa

Tabaroa Preto Cozinha Creditos Lais Acsa

A calda de cereja amarena dá o tom ao Tabaroa. Foto: Lais Acsa

Receita de Chris Carijó

Ingredientes

60 ml de cachaça de amburana
30 ml de suco de limão-galego
30 ml de calda de cereja amarena
15 ml de vermute seco
Cereja amarena para finalizar

Modo de preparo

1. Coloque todos os ingredientes numa coqueteleira gaseificadora, bata e adicione o gás.

2. Faça coagem dupla (com ajuda de uma peneira fina) para uma taça coupe previamente resfriada.

3. Decore com a cereja amarena.

Dica: O Tabaroa também pode ser preparado na coqueteleira comum, caso não haja um equipamento gaseificador à mão. Para garantir a sensação de borbulhar, finalize com um splash de água com gás.

Espresso Mineiro

drinque com cachaça: espresso martini

O Espresso Martini é outro clássico que pode ter versão com cachaça. Foto: Getty Images

Receita de Thiago Ceccotti

Ingredientes

50 ml de cachaça de amburana
50 ml de café espresso
25 ml de xarope de mel
Grãos de café para finalizar

Modo de preparo

1. Bata vigorosamente todos os ingredientes numa coqueteleira com bastante gelo.

2. Cope para uma taça coupe previamente resfriada.

3. Decore com grãos de café

Leia também:
Como fazer espresso martini e mais 7 drinks com café

Mangarataia

Mangarataia bar Varal Divulgacao

O Mangarataia leva xaropo de gengibre e tônica. Foto: Divulgação

Receita de Ricardo Ribeiro e Thiago dos Santos, do Bar Varal (SP)

Ingredientes

40 ml de cachaça de bálsamo
20 ml de xarope de gengibre*
20 ml de limão-taiti
Água tônica para completar
Um ou dois dashes (espirradinhas) de Brasilberg para finalizar

*Bata no liquidificador 300 g de gengibre fresco, 300 ml de água e 500 g de açúcar. Leve para uma panela e aqueça por 15 minutos em fogo baixo, após levantar fervura. Coe para uma garrafa esterilizada e guarde na geladeira por até uma semana.

Modo de preparo

1. Na coqueteleira, com bastante gelo, bata a cachaça, o xarope de gengibre e o limão.
2. Coe para um copo alto com gelo até a boca e complete com água tônica.
3. Finalize com o dash de Brasilberg

Goiabinha Sour

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Goiabinha Sour: união de duas delícias bem brasileiras. Foto: Lais Acsa

Receita de Chris Carijó

Ingredientes

60 ml de cachaça envelhecida em carvalho americano
30 ml de suco de limão-siciliano
30 ml de clara de ovo
2 colheres de bar de goiabada cremosa
Bitter Angostura para finalizar

Modo de preparo

1. Bata todos os ingredientes vigorosamente numa coqueteleira com bastante gelo.

2. Faça coagem dupla, com ajuda de uma peneirinha, para uma taça coupe previamente resfriada.

3. Finalize com gotas de angostura sobre o coquetel. Se tiver dons artísticos, faça um desenho de bitter com ajuda de um palito de dentes.

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