Casa Ateliê Mão de Mãe abre as portas em Salvador
Prestes a inaugurar a sua primeira flagship, a Casa Ateliê Mão de Mãe, os criadores Vinícius Santana e Patrick Fortuna recebem a ELLE com exclusividade e conversam sobre família, fé e a força motriz do artesanato.
É uma manhã de mormaço, em uma terça-feira de verão em Salvador, quando contorno o Farol da Barra, um dos cartões postais da cidade, para chegar à Rua Afonso Celso. O motorista conta que, bem a tempo do carnaval, a via acaba de passar por uma requalificação, com ampliação dos passeios e instalação de mobiliários urbanos e paisagismo. “Onde posso parar?”, pergunta em seguida. Sem sucesso, busco a numeração dos portões. “Não é nessa casa bonita não?”. Quem confirmou foi o aplicativo:”Você chegou ao seu destino”. No caso, à Casa Ateliê Mão de Mãe.
O espaço, aberto ao público a partir de 26 de janeiro, é a primeira flagship da marca fundada por Vinícius Santana e Patrick Fortuna. A convite do casal, a ELLE ganhou um tour exclusivo, dias antes da festa de inauguração, na noite de quinta-feira (25.01).
Enquanto supervisionam os trabalhadores envolvidos na reta final da obra e atendem ligações (a influenciadora Malu Borges postou um look da marca dias antes, e os pedidos não param de chegar), Vinícius e Patrick lembram que, cerca de quatro anos atrás, eles se mudavam para um apartamento pequeno, o primeiro que moraram juntos, naquela mesma rua.
“Foi lá que montamos as nossas primeiras araras”, diz Patrick. Elas eram de PVC. Na época, nenhum dos dois tinha dinheiro para bancar maiores investimentos. “A gente foi adaptando as ideias à nossa realidade. O pensamento era ‘antes feito que não feito'”, continua ele. Ao todo, eram cinco araras, mas só uma dedicada às peças do Ateliê Mão de Mãe. Nas outras quatro, a dupla mantinha uma seleção de roupas de marcas variadas.
É que Patrick trabalhou em shopping durante boa parte de sua trajetória profissional. Entre diferentes lojas, passou de vendedor para gerente até chegar ao cargo de supervisor. Como já possuía uma rede de clientes e os contatos de representantes comerciais para fazer pedidos, mesmo que pequenos, aproveitou para seu próprio negócio. “E quando recebíamos as clientes em casa, aproveitávamos para mostrar também a arara do ateliê”, fala Vinícius.
Vinícius Santana (à esq.), com a mãe, Luciene Santana (ao centro), e Patrick Fortuna (à dir.). Foto: Marcelo Soubhia / @agfotosite
A ideia do crochê, técnica central na identidade e produtos do Ateliê Mão de Mãe, veio dele em um momento de desespero. “Minha mãe sempre se considerou uma pessoa hippie”. O soteropolitano conta que Luciene, uma artesã nata, trabalhou com arte a vida toda. “Da pintura à comida, fazia um pouco de tudo, de cada manualidade”, comenta Vinícius, em tom elogioso. No entanto, quando a pandemia apertou e ir às ruas para vender não era mais possível, a matriarca se viu sem muitas alternativas.
A solução veio de uma forma inusitada: “Um dia, no sofá de casa, vi Rafa Kalimann usando uma roupa de crochê no BBB (Big Brother Brasil)“. Foi aí que sugeriu a Luciane usar o artesanato para criar peças de roupa e fez um perfil no Instagram para ajudá-la na divulgação.
Até então, a moda estava longe de ser uma especialidade do filho e da mãe. “Nunca acompanhei. Tinha outras coisas para me preocupar. Precisava correr atrás da minha sobrevivência”, diz Vinícius, que trabalhava como vendedor em uma loja de cosméticos populares antes da grande virada.
Uns três meses depois, Vinícius conheceu Patrick. “Quando ele me contou sobre o projeto da sua mãe, disse que existia uma dificuldade de precificar, de agregar valor”, explica a segunda metade do casal. Não demorou para que o relacionamento amoroso se tornasse também profissional.
E aí voltamos às cinco araras de PVC na sala do apartamento. Quando pergunto sobre o ponto de virada, eles são rápidos na resposta: “Fernanda Paes Leme estava em Salvador para o carnaval. Do nada, ela nos mandou uma mensagem falando que queria uma peça de crochê”. A atriz, que os conheceu pelo Instagram, foi até eles, fez uma compra das grandes e ainda postou nas redes sociais. No mesmo dia, o Ateliê Mão de Mãe viu o seu número de seguidores triplicar.
Fernanda foi a primeira das muitas artistas que vestiram a etiqueta. Hoje, a lista inclui Anitta, Bruna Marquezine, Ivete Sangalo, Taís Araújo, Sabrina Sato e tantas outras. “Além das produções pedidas por stylists, muitas dessas mulheres entram no site e consomem. Quando vamos ver, a compra é de Flávia Alessandra, Deborah Secco”, celebra Vinícius.
O sucesso não é por acaso ou por sorte. Em apenas quatro anos, a empresa deu um salto impressionante quando se fala da qualidade, técnica, estrutura de negócio e imagem de produto. O amadurecimento fica claro ao olhar para as apresentações do Ateliê Mão de Mãe na São Paulo Fashion Week.
A dupla fez a sua estreia no evento paulistano, em junho de 2021, em formato de vídeo. Naquela temporada, a marca integrava o Projeto Sankofa, uma iniciativa destinada a racializar a semana de moda, até então majoritariamente branca.
Um ano depois, com um desfile presencial já fora do projeto, apresentou a coleção Maragogipinho, que jogava luz sobre o recôncavo baiano. “Foi incrível, mas no dia seguinte acordamos e pensamos: ‘E agora? Como vamos pagar?'”, recorda Patrick. O que os salvou foram os bons produtos e o tino comercial aguçado do casal. “A gente tinha peças para tudo, das ocasiões especiais às cotidianas”.
Ateliê Mão de Mãe, na SPFW N56. Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite
Desde então, o mix de roupas ofertadas se torna cada vez mais esperto. Na edição N56 da SPFW, em novembro do ano passado, os estilistas levaram à capital paulista a tradicional feira de São Joaquim, um labirinto popular localizado na Calçada, em Salvador. Além da boa narrativa, a coleção possuía a minissaia atrevida para curtir o verão soteropolitano, mas também o vestido de noiva, o primeiro experimento da marca no segmento. Embora possam parecer opostos, os produtos estavam muito bem amarrados pelo styling de Daniel Ueda, com sobreposições e cestarias, uma escolha acertada da cartela de cores e um artesanato primoroso.
Agora, essas peças poderão ser vistas de perto na primeira flagship da empresa, a Casa Ateliê Mão de Mãe. Embora São Paulo e Rio de Janeiro representem, por enquanto, as cidades com o maior número de consumidores, Vinícius e Patrick dizem que não poderiam ter o seu primeiro ponto de venda físico em outro lugar senão em Salvador. “Por muito tempo, o Sudeste engoliu o resto do país, principalmente o Nordeste, e chegou a hora de mudar essa perspectiva”, afirma Vinícius.
Acima de tudo, a dupla tem vontade de fomentar a cidade e a sua cadeia de produção, para fazer a economia local girar. “Queremos devolver a Salvador algo que ela se orgulhe”, dizem. Futuramente, planejam convidar outras marcas baianas, como Dendezeiro e Meninos Rei, para expor suas peças na casa, criando um espaço de fortalecimento coletivo.
Tem mais a ver com generosidade, e menos com o espírito egóico de uma velha moda centralizadora. “A nossa cidade é uma potência. Podemos criar grandes negócios, estabelecer conexões e propor o caminho inverso. Se antes tínhamos que ir até eles, queremos que agora eles venham até nós”, fala Patrick.
A loja própria se tornou possível graças ao patrocínio do Instituto C&A. Depois do Ateliê Mão de Mãe realizar uma collab com a C&A, em outubro de 2023, a gigante do varejo perguntou o que poderia fazer para a marca em termos de impacto social. Daí a casa. Um sonho escrito desde 2021, pôde finalmente sair do papel.
Ateliê Mão de Mãe em parceria com a C&A. Foto: Divulgação
Com iluminação leve, paredes cobertas por tons claros e paisagismo acolhedor, o primeiro andar é dedicado aos clientes. Já o segundo guarda outros planos. Vinícius e Patrick pretendem abrir cursos, ainda em 2024, para jovens a partir dos 16 anos e pessoas da comunidade LGBTQUIA+ em situação de vulnerabilidade, além de fornecer capacitação para as 89 crocheteiras já empregadas por eles.
“Todos os dias vemos a mudança na vida das nossas crocheteiras”, afirma Vinícius. O estilista conta que no dia anterior havia se encontrado com uma delas. “Ana Cristina enfrentou um câncer e disse que no momento em que precisou ficar sozinha, sem se aproximar de ninguém, o que a salvou foi o crochê”. Patrick, por sua vez, relata a história de Rosa: “Quando passou a viver do artesanato, ela conseguiu se libertar de um relacionamento abusivo, de um marido que a impedia de estudar”.
É graças à energia de transformação das mãos sagradas dessas mulheres que o Ateliê Mão de Mãe flui, algo que o casal faz questão de reforçar. “As nossas crocheteiras fazem parte do sonho tanto quanto a gente. Queremos que elas se sintam realmente valorizadas”, diz Vinícius. De certa forma, a etiqueta é um retrato da gratidão às mulheres que passaram pela vida de cada um. “Eu sou quem eu sou por causa da minha mãe, das minhas avós, das minhas tias. O meu referencial sempre foi feminino”, explica Patrick.
Em 2024, os esforços estão concentrados no andamento da casa que promete ser a primeira de muitas. “Se abrimos uma em quatro anos, o que nos impede de abrir outras no futuro?”, perguntam. De fato, não há o que possa barrar a força motriz existente em Vinícius, Patrick, Luciane e nas quase 90 mulheres que vibram diariamente pela prosperidade do Ateliê Mão de Mãe. Para eles, não é só a sabedoria humana que está envolvida, mas, sim, o sincretismo ancestral. “Os nossos guias nos direcionam, apontam a hora e o lugar certo para estarmos”, elucida Vinícius. Da Bahia 一 “que tem mãe Iemanjá /e de outro lado o senhor do Bonfim”, como imortalizou Gil 一 para o Brasil e o mundo, eles seguem à frente, abrindo caminhos.
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes