Ufa!

Hanayrá Negreiros relembra os seis meses de sua coluna Negras Maneiras.


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Oi, gente,

Espero que por aí esteja tudo bem e que vocês estejam passando por dias seguros e com saúde, dentro do que é possível ultimamente.

Escrevo de São Paulo, que hoje faz jus à sua alcunha de Terra da Garoa… onde já se viu chuvisco e céu nublado no segundo dia do verão? Solstício e conjunção de planetas à parte, imagino que todes estejam ansioses para a chegada de 2021. Eu também estou e, por aqui, se vão mais de seis meses desde que estreei esta coluna!

De lá para cá, muita coisa aconteceu e foram muitos os encontros bonitos que este espaço me proporcionou. Por isso, resolvi escrever um texto rememorando as costuras que fizemos.

Em meu primeiro artigo, em maio deste ano, quando a ELLE voltou a público no meio de uma pandemia, resolvi mergulhar no acervo de memórias e imagens da minha família para pensar sobre a moda como uma herança familiar. Junto do meu bisavô, avós, tias e pais, me apresentei refletindo sobre as roupas que fazem parte das nossas histórias e de como podemos pensar o vestir a partir dos nossos próprios repertórios, que no meu caso eram as fotografias antigas, a máquina da minha avó e as histórias contadas pelos mais velhos, além da música, que sempre me acompanha por aqui, mas que, desta vez, cambiando um pouco o costume, deixarei para o final.

Uma grata surpresa foi receber uma série de mensagens de leitores que me contaram como o ato de voltar ao passado tem se tornado um importante caminho para se entender presente e futuro, Sankofa – como nos diriam os Akan. Pensar sobretudo famílias negras e os processos de afeto e ruptura se mostra urgente e importante para discussões decoloniais e políticas.

Ainda refletindo sobre histórias do vestir, no segundo texto, muito inspirada por Kindred, da maravilhosa Octavia E. Butler (leiam essa mulher), fiz uma viagem no tempo, mais especificamente para alguns anos da segunda metade do século 19, localizando histórias de pessoas negras que estavam envolvidas há tempos com as modas e vestires brasileiros, trazendo para as peças africanidades de uma travessia forçada resultante da escravidão, uma atualização de saberes negros, alinhavando outras histórias da moda no país.

Memória, travessia e o mar foram assunto do terceiro texto, no qual mergulhamos nos oceanos de Beatriz Nascimento, uma mulher afro-atlântica, canceriana e sergipana de nascimento e carioca de criação. Em conversa com Bethânia Gomes, filha e guardiã das memórias de sua mãe, descobrimos por meio do seu acervo de fotos não só a trajetória intelectual, acadêmica e de ativismo político, mas também a mulher chic no vestir que era Beatriz, com seus tecidos coloridos e as sandálias plataformas das quais gostava.

Em outubro e nos enveredando para o fim do ano, saltamos no tempo e no espaço e voltamos até Dakar da década de 1960, revisitando o figurino de La noire de…, filme de Ousmane Sembène, de 1966. Uma história que critica as heranças coloniais de um país recém independente e que revela a belíssima Diouana, interpretada por Thérèse Diop enfrentando uma França rica e ainda arraigada ao imaginário escravista. Os vestires da nossa personagem principal é um prato cheio para entendermos um pouco sobre as modas de mulheres senegalesas durante a década de 1960.

Por fim, em dezembro, escrevi, além deste último artigo do ano, um texto que reflete sobre os usos de ternos, paletós, coletes, gravatas, sapatos lustrosos, chapéus e outros adornos por homens negros, equilibrando o direito à vida e às elegâncias que esses corpos produzem ao vestir tais peças, trazendo luz para insurgências e resistências ancoradas nas roupas e pessoas.

Agradeço a caminhada percorrida e aguardo esperançosa a chegada do ano novo, tempo que costuraremos mais histórias sobre negras maneiras de vestir, ser e estar no mundo.

Desta vez, mudando um pouco o costume (geralmente eu começo com música), me despeço com “Juízo Final“, cantada pelo também elegantíssimo Nelson Cavaquinho, de 1973, do disco que leva o seu nome. Composição dele em parceria com Élcio Soares, a música professa a chegada do sol, afinal de contas, é verão e, por mais que possa garoar, ele há de brilhar mais uma vez.

Um beijo, se cuidem e até daqui a pouco,

Hanayrá.

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