KL Jay: Racionais, discotecagens e os 50 anos do hip hop
Um dos maiores DJs do país, ele conversou com a ELLE antes de seu set no Coala Festival, neste fim de semana, em SP.
Pouco depois de encarar um dilúvio com os Racionais MC’s no The Town, KL Jay volta ao palco de outro festival paulistano, o Coala Festival, desta vez em versão solo – e sem previsão de chuva. O DJ de rap é um dos nomes que fecham o festival, que conta com atrações como Jorge Ben Jor e Marina Lima, no domingo (17.09).
“Em um festival grande assim, eu penso em um set (com antecedência). Mas, em algum momento, dou uma improvisada. Tenho muita música na cabeça, sempre lembro de alguma que cabe no set”, diz à ELLE. “Tento me atualizar um pouco. Estou sempre indo atrás, trazendo também os anos 1970 e 1980. Então, é uma mistura, o novo com o velho. Você vê carro novo e velho andando na rua. Na minha discotecagem, é mais ou menos isso aí.”
Victor Balde
Kleber Simões, 54 anos, prioriza os shows com os Racionais, que, no momento, prepara um novo álbum, sucessor de Cores & valores (2014). Mas quando a agenda permite, chega a discotecar quatro vezes em uma mesma semana. “Às vezes, toco a semana inteira, mas não gosto, porque a gente tem que dormir, tem que ir ao cinema, tem que ir num restaurante, tem os filhos, essas coisas.”
KL Jay conversou com a ELLE sobre suas discotecagens, o reconhecimento dos Racionais, os 50 anos do hip hop, o bom momento das DJs mulheres e mais:
O que você tem tocado ultimamente, o que tem chamado a sua atenção? Por você ser o DJ dos Racionais, talvez as pessoas não saibam o quão democrático é o seu gosto. Você toca, por exemplo, Kid Abelha e Britney Spears.
Muita gente espera que eu toque só músicas dos Racionais ou só rap por eu ser um DJ de hip hop. Mas a minha formação musical foi nos anos 1980. Foi uma época muito rica. Acompanhei a transição do funk norte-americano para o rap, acompanhei inclusive o punk americano. E através dos samples das músicas de rap pude voltar para os anos 50, 60. Então, isso trouxe uma variedade musical muito grande. Antes de ser DJ, antes até de entrar para os Racionais, eu ouvia muito samba, ia nas festas dos Palmeiras que tinham Jorge Ben, Bebeto (um dos grandes nomes do samba-rock), um monte de gente.
“Muita gente espera que eu toque só músicas dos Racionais ou só rap por eu ser um DJ de hip hop. Mas a minha formação musical foi nos anos 1980”
Como você administra os shows dos Racionais e as suas discotecagens? Chega a ter um conflito de agenda?
Não, Racionais é sempre prioridade, porque eu não posso passar por cima dos outros três (integrantes do grupo). O que vem primeiro é o Racionais e baseado nisso eu e as minhas agentes fechamos as minhas datas.
O Racionais tem sido headliner de vários festivais importantes. É um reconhecimento de mais 30 anos de carreira, depois de ter dito muitos “nãos”, como você comentou recentemente em entrevista à Folha de S.Paulo. Como observa esse momento do grupo?
Eu penso que a gente está colhendo agora os frutos de tudo o que foi plantado, de todos os “nãos” que foram ditos. A gente pode fazer muita coisa com dignidade agora, sem se corromper, sem passar por saia justa. A gente continua falando “não”. Mas agora, a gente está mais maduro, mais solidificado, mais fácil de administrar. O grupo cresceu muito, está muito forte. Então, fica bem mais fácil de você lidar.
O que vocês estão planejando?
O Racionais está neste momento em estúdio, e eu estou sendo cobrado porque não vou (risos). Para mim, fazer música é muito difícil. Mas vou semana que vem com eles para o estúdio dar um pouco de colaboração. Eles estão fazendo juntos as músicas do disco novo e estão sensacionais.
Como foi revisitar a trajetória do grupo no documentário da Netflix (Racionais: Das ruas de São Paulo pro mundo)? Assistir ao filme te deu novas percepções sobre essa trajetória?
A gente fez esse documentário em mais de sete anos. Tem opiniões de todos nós. Automaticamente, a gente volta lá no início, vê tudo que a gente passou. Tem um axé aí, têm uma proteção com os quatro, porque não é possível… É uma coisa que a gente veio cumprir, eu acredito. Particularmente, vendo o documentário, dá para perceber isso. E a gente também agradece por ter chegado até aqui, repito, com dignidade, com respeito na rua, dos outros músicos, dos meios de comunicação. Então, é uma trajetória bonita, de muita luta, muito esforço, muitas discussões, brigas e conflitos. Mas a gente está aqui.
“A gente está colhendo agora os frutos de tudo o que foi plantado, de todos os ‘nãos’ que foram ditos”
Em agosto, o hip hop completou 50 anos. O gênero mudou muito, alcançou o mainstream. Mas, em relação ao hip hop brasileiro, quais foram as grandes mudanças recentes que você tem notado?
Muita gente entendeu o game, muitos artistas novos, inclusive, que montaram as suas produtoras, têm seus agentes, fazem bons negócios. Cresceu muito. E, infelizmente, muitos não foram buscar esses alicerces. Vejo esses novos artistas com mais visão do jogo. Antes, a gente não tinha muita. Ainda não temos uma rádio de rap 24h em São Paulo, está faltando isso. Para conseguir uma rádio é difícil, é muito caro, você tem que ter concessão, tem que ter envolvimento político. Tem muita gente e muita coisa que eu não gosto, mas é normal, o rap é livre, não é politicamente correto. Se fosse, não ia durar 50 anos. Acredito que há uma base sólida, mundialmente, que não deixa o prédio cair, entende? Existe o Racionais, Thaíde, KRS-One, NAS, Jay Z, Kendrick Lamar, esses caras que têm base. Falei dos MCs, mas tem os DJs, os bboys também.
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Você costuma postar novos DJs em seu perfil no Instagram. Tem algum que destacaria?Muita gente está tocando com controladora e eu considero os DJs que estão tocando com toca-discos. Quero dar o destaque para as mulheres, as meninas estão indo muito bem nos toca-discos. Você vê a Cinara, a Vivian (Marques), a Maia B. Gosto muito de ver o set da Cinara, ela é muito rápida, muito técnica, tem muito bom gosto musical.
Você tem uma filha que é cantora, a Hanifa. Ela te pede opinião? Você palpita? Como é essa relação musical entre pai e filha?
Ela sempre mostra os sons para mim, eu dou as minhas opiniões para ela.
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Você ainda garimpa muito como DJ? Já tem uma coleção de dez mil vinis…
Eu já garimpei mais. Mas esses dias fui na galeria Nova Barão (centro de São Paulo) buscar uma calça que pedi para o alfaiate arrumar, vi que tinha uma loja especializada em jazz e comprei em pouco tempo uns seis discos. Gosto muito. (O garimpo) É muita música, você tem que ouvir o disco inteiro, faixa por faixa. É muita coisa e não tenho muito tempo para ficar ouvindo. Mas ainda faço.
Tocando com tanta frequência, você consegue sair para ver outros DJs? Quais artistas lhe tiram de casa?
Sempre que posso, gosto muito de ver o Marky. Quero ver o show da H.E.R no The Town. Gosto de festa, sempre que posso, vou. Se estou de folga, numa sexta, num sábado, vou. Fui numa festa dub semana retrasada na Sé (centro de São Paulo), bem legal, estilo Jamaica, com sound system. Costumo falar que não vou na festa só pra curtir, vou pra aprender também, porque sempre os DJs tocam duas, três músicas que você fala: “Cê é louco, vou incluir no meu set!”.
Coala Festival: 15, 16 e 17 de setembro no Memorial da América Latina
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