Livro mostra o processo criativo de Sofia Coppola
Diretora lança publicação que reúne fotos e referências para seus filmes, enquanto se prepara para estrear "Priscilla", sobre a vida da mulher de Elvis Presley.
Desde que dirigiu seu primeiro longa-metragem, As virgens suicidas (1999), Sofia Coppola tem o costume de, ao final das filmagens, reunir em uma caixa todas as referências, anotações, roteiros e fotos do set que ela mesma tira ou então fotógrafos amigos e convidados – Corinne Day fez imagens no set de sua estreia, por exemplo.
Depois de nove filmes, a quantidade de material já era considerável. Ela reabriu as caixas e examinou seu conteúdo. Decidiu fazer um livro que reunisse todo o material em um lugar só, uma espécie de álbum de recortes de seu trabalho cinematográfico que revela um pouco de seu processo criativo.
Sofia Coppola Foto: Sofia Coppola, from Archive (MACK, 2023). Courtesy of the artist and MACK.
Sofia Coppola archive 1999-2023, que acaba de sair pela editora inglesa MACK, é dedicado às suas filhas Romy e Cosima, do casamento com Thomas Mars, da banda Phoenix. Logo no início do livro há uma entrevista de Lynn Hirschberg com a cineasta, que fala sobre o começo de sua carreira, seus projetos e a recepção, nem sempre calorosa de seus filmes, e como isso a afetou. A obra também traz muitas fotografias das referências, dos bastidores, começando por As virgens suicidas (1999) até Priscilla, sua produção sobre a mulher de Elvis Presley estrelada por Cailee Spaeny e Jacob Elordi, que estreia nos cinemas brasileiros em 26 de dezembro.
Foto: Divulgação
A seguir, mais sobre Sofia Coppola:
O começo
Sofia queria ser artista, mas não sabia exatamente em qual área. Tentou a pintura, mas logo percebeu que não tinha jeito para a coisa. Passou para a fotografia e depois para o cinema, com o curta-metragem Lick the star (1998), que trata de uma adolescente tentando sobreviver às hierarquias da escola, um dos seus temas favoritos. “Eu estava nervosa, mas saber um pouco sobre vários elementos, como fotografia, design e música, ajudou bastante. Senti que sabia como juntar tudo para fazer algo que estava na minha cabeça”, diz ela na entrevista que abre o livro.
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A família Coppola
Filha de Francis Ford Coppola, diretor da trilogia O poderoso chefão (1972-1990) e de Apocalipse now (1979), entre outros, Sofia cresceu nos sets de filmagem. Sua mãe, Eleanor, é documentarista, escritora e artista e filmou os bastidores das produções do marido e da filha. O irmão de Sofia é Roman Coppola, produtor, diretor de videoclipes, roteirista e colaborador frequente de Wes Anderson. Ela é prima de Jason Schwartzman e Nicolas Cage. Agora, são suas filhas que a visitam nos sets, como mostram algumas fotos do livro.
O passado como atriz e as acusações de nepotismo
Nascida em maio de 1971, ela estreou no cinema como o Michael Corleone bebê de O poderoso chefão (1972). Também fez pontas em outras produções de Francis Ford: Vidas sem rumo (1983), Cotton Club (1984), Peggy Sue – Seu passado a espera (1986). Mas sua participação mais conhecida como atriz foi em O poderoso chefão 3 (1990), desta vez como a filha de Michael Corleone. A atuação foi criticada e despertou acusações de nepotismo. Depois disso, ela fez uma ponta em Star wars: Episódio 1 – A ameaça fantasma (1999), dirigido por George Lucas, amigo de seu pai.
Kirsten Dunst em As Virgens Suicidas Andrew Durham, from Archive (MACK, 2023). Courtesy of the Andrew Durham and MACK
O primeiro longa
Ao ler o livro As virgens suicidas, de Jeffrey Eugenides, imediatamente começou a imaginar o mundo das personagens. “Eu não sabia que queria ser diretora até ler As virgens suicidas e ver tão claramente como a adaptação tinha de ser feita”, diz Sofia no livro. Foi com a trama que ela estreou no Festival de Cannes, aos 28 anos. Mas, nos Estados Unidos, ninguém ligou. Só depois o longa foi descoberto por gerações de garotas. Em uma das fotos do set, Sofia usa um vestido vermelho. “Eu me lembro de fazer questão de usar vestido, porque não era o que diretores usavam. Naquela época, as poucas cineastas mulheres se vestiam como homens, e eu estava determinada a ser feminina enquanto dirigia. E eu também usei chinelos tipo slide nos pés. Hoje, jamais usaria um sapato aberto no set – um equipamento pode cair e você se machucar. Mas eu estava tentando me rebelar contra as normas da moda no set. Fora que era verão. E eram os anos 1990!”
Kirsten Dunst nas filmagens de Maria Antonieta Andrew Durham, from Archive (MACK, 2023). Courtesy of the Andrew Durham and MACK
Sofia Coppola e a moda
A diretora sempre se interessou pela moda. Fez um estágio na Chanel quando tinha 15 anos e começou sua própria grife, a Milkfed, depois de deixar a faculdade. Por causa dela, viajou muito ao Japão, onde também colaborou como fotógrafa para a revista de moda Dune. Sofia dirigiu comerciais para os perfumes da Dior, para Cartier e Chanel.
Os figurinos de seus longas são sempre elaborados, mesmo quando parecem simples. Em Encontros e desencontros (2003), as roupas de Bill Murray foram majoritariamente criadas por Helmut Lang.
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Em Maria Antonieta (2006), os figurinos são de Milena Canonero, vencedora de quatro Oscars, mas as referências vieram de Sofia. Entre elas, a coleção de Marc Jacobs baseada nas cores dos macarons da Ladurée, as peças de John Galliano inspiradas na rainha francesa, os vestidos da época expostos no Costume Institute no Met e o visual dos New Romantics (o movimento fashion surgido na Inglaterra no fim dos anos 1970 foi adotado por artistas como Boy George e bandas como Duran Duran).
Em Priscilla, não foi diferente. “A vida adulta de Priscilla foi formada por Elvis e seu gosto: ele a vestia como seu modelo ideal. A história tem semelhanças com a de Maria Antonieta, só que em Graceland”, diz ela no livro. Chanel fez uma cópia do vestido de noiva de Priscilla Presley. Fabrizio Vitti criou sapatos que se encaixam no período. Valentino produziu suéteres de lã para Elvis.
Oscar, Cannes, Veneza
Diferentemente de As virgens suicidas, Encontros e desencontros foi um sucesso instantâneo. “Aquele filme fez as pessoas me levarem a sério. Tinha sido muito difícil ultrapassar as noções de todo o mundo sobre nepotismo (além de ser uma mulher jovem). Naquela época, foi um grande desafio para mim, mas agora não penso mais no assunto. Toda a cobertura e os prêmios para Encontros e desencontros fizeram uma grande diferença”, diz ela. O longa estrelado por Bill Murray e Scarlett Johansson, inspirado por suas experiências no Japão e no casamento com o cineasta Spike Jonze rendeu três indicações ao Oscar. Ela concorreu a melhor filme, direção – foi a terceira mulher a disputar a estatueta, e a primeira estadunidense – e roteiro original, que ganhou. Com isso, a terceira geração de sua família ganhou um Oscar, depois de seu avô Carmine (vencedor pela trilha de O poderoso chefão 2) e de seu pai Francis (que tem cinco, além de um prêmio Irving G. Thalberg).
Fora isso, ela ganhou o Leão de Ouro em Veneza como Um lugar qualquer (2010) e exibiu quatro filmes em Cannes. As virgens suicidas estreou na paralela Quinzena dos Realizadores, Bling ring: A gangue de Hollywood (2013) passou na mostra Um Certo Olhar, e Maria Antonieta e O estranho que nós amamos (2017) competiram pela Palma de Ouro – por ele, Sofia recebeu o prêmio de direção. Maria Antonieta foi recebido com algumas vaias, e na coletiva de imprensa a cineasta teve de responder pelo suposto fracasso. A decepção fez com que ela tirasse um tempo para curtir a filha Romy, que tinha acabado de nascer. No fim, Maria Antonieta inspirou uma série de filmes e séries que tratam as histórias de época com menos pompa e com foco nas mulheres.
O mural de referências de Um lugar qualquer ndrew Durham, from Archive (MACK, 2023). Courtesy of the Andrew Durham and MACK
A estética de Sofia Coppola
A entrevistadora Lynn Hirschberg descreve os filmes de Sofia como obras que desafiam elegantemente no mundo majoritariamente masculino do cinema e com uma intimidade onírica. Esse estilo é construído a partir de muitas referências, como o livro deixa bem claro. As fotos de Tina Barney em As virgens suicidas, as pinturas de John Kacere e a fotografia de Guy Bourdin na abertura de Encontros e desencontros e e de Maria Antonieta, respectivamente, são alguns exemplos. Clint Eastwood e um jovem Robert Pattinson foram referência para o protagonista de Um lugar qualquer, interpretado por Stephen Dorff.
Sofia diz no livro que o visual de Bling ring é feio. “É muito estranho revisitar esse filme. Normalmente, eu filmo a partir de uma estética que aprecio, mas não nesse – aquele universo tinha de ser sinistro e opressivo para a história funcionar.” Ela achava que jovens que usavam as redes sociais para invadir a casa de famosos, na ausência deles, faziam parte de uma fase. “Mas era uma grande revolução na nossa cultura. Para mim, era um alerta. Saiu antes do Instagram!”
Sofia Coppola e a música
A diretora sempre teve uma ligação intensa com a música, aparecendo nos videoclipes de “Mildred Pierce” (1991), do Sonic Youth, “Deeper and deeper” (1992), de Madonna, “Sometimes salvation” (1992), do Black Crowes, “Elektrobank” (1997), do Chemical Brothers, dirigido por seu então namorado Spike Jonze, e “Funky Squaredance” (2000), dirigido Roman Coppola para a banda Phoenix, liderada por Thomas Mars – os dois começaram a namorar mais tarde e se casaram em 2011. Fora isso, ela também dirigiu “This here giraffe” (1996) para os The Flaming Lips, “Playground love” (2000) para o Air (a banda assina a trilha de As Virgens Suicidas), “I just don’t know what to do with myself” (2003) para The White Stripes, “City girl” (2003) para Kevin Shields e “Chloroform” (2013) para o Phoenix.
Archive (2023) por Sofia Coppola é publicado por MACK
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