Luciana Brito abre “Primavera silenciosa”, mostra com foco em artistas latinos
Com curadoria de Alexia Tala, exposição em São Paulo destaca a produção de artistas indígenas, com suas interpretações da ancestralidade e da relação com a natureza.
Com foco em artistas latinos e o meio ambiente como tema principal, a galeria Luciana Brito, em São Paulo, inaugura neste sábado (07.10) a exposição coletiva Primavera silenciosa. Com curadoria de Alexia Tala e assistência de Cecília Vilela, a mostra reúne trabalhos de artistas do Brasil, Chile, Guatemala, Honduras, México e Panamá, incluindo também performances, projeções de filmes e mesas de conversas com convidados.
A galerista Luciana Brito iniciou o projeto há dois anos, mas Alexia acompanha a trajetória desses artistas há oito, pouco antes de assumir a curadoria da Bienal de Arte Paiz, na Guatemala, em 2016. “Iniciei uma pesquisa no Panamá e percebi um mundo totalmente diferente, um lugar muito rico culturalmente, mas muito violento”, recorda a curadora chilena.
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A mostra parte dessa pesquisa curatorial de quase uma década e joga luz no cenário artístico dessas regiões. “Estamos falando de uma população 63% indígena na Guatemala. Então, existe um olhar diferenciado. São artistas contemporâneos que têm origem indígena e falam da própria indigeneidade”, explica Alexia. “Há uma sensação de que o Ocidente já falou muito por eles, então é o momento deles expressarem suas cosmovisões”.
Obra “Desastre natural por la tormenta tropical en Guatemala”, de Diego Isaías Hernandez. Divulgação
A seleção das obras procurou celebrar a pluralidade assim como a relação consciente de escuta e contemplação da natureza. “Quando você mora na base de um vulcão, por exemplo, há uma conexão e um respeito muito maior pela natureza”, diz Alexia. “A ancestralidade faz parte do dia a dia deles”.
Obra “Kukulkan”, de Antonio Pichillá, no jardim da galeria paulistana. Divulgação
O título é inspirado no livro homônimo de Rachel Carson, bióloga marinha e uma das precursoras do movimento ambientalista. Na publicação de 1962, a autora estadunidense alertou sobre como os inseticidas interferem em processos celulares de plantas, animais e seres humanos.
Nesta primavera silenciosa, porém, a ideia é contrapor a perspectiva euro centrada da escritora, baseando-se na realidade de que povos da América Latina já carregavam visões de mundo e formas mais saudáveis de se relacionar com o ecossistema há séculos. “A pergunta, basicamente, é: e se tivéssemos respeitado e olhado para a vida e para a natureza do jeito que as cosmovisões indígenas fazem? Teria o capitalismo sido tão devorador?”, questiona Alexia.
Obra “Ybyratyba”, de Rastros de Diógenes. Divulgação
Entre as obras inéditas estão criações de Antonio Pichillá (Guatemala), artista maia tzutujil, cuja obra mostra uma representação da serpente sagrada no jardim da galeria, e de Adán Vallecillo (Honduras), que encapsula em papeis portáteis pigmentos retirados de um problema ambiental grave: o lixo.
A exposição também apresenta novas pinturas de Paula Nicho e de Diego Isaías Hernández, outro artista maia tzutujil. Ambos adotam a estética da pintura popular para representar particularidades locais, tanto das paisagens quanto do imaginário coletivo de seus povos. Outro destaque é a videoarte de Donna Conlon (Panamá), que reflete sobre a questão da extinção.
Cena de “From the Ashes”, de Donna Conlon. Divulgação
O artista Benvenuto Chavajay (maia tzutujil, Guatemala) apresenta uma sequência de fotografias que mapeia elementos e rituais sagrados como resultado de um processo que, antes de ser artístico, se desenrola como um ritual ancestral de cura.
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Enquanto a maioria das obras aborda o meio ambiente, Primavera silenciosa também apresenta trabalhos com visões indígenas de mundo, assim como algumas de suas questões identitárias fundamentais. É o caso de Colección Poyón, da dupla Ángel e Fernando Poyón (maia kakchiquel, Guatemala), que reúne um gabinete de curiosidades cheio de elementos popularmente associados à identidade maia para levantar questões sobre apropriação cultural e esvaziamento.
Obra Sem título da série K’o q’iij ne t’i’lto’ ja juyu’ t’aq’aaj (Hay días que se acercan las montañas y los volcanes), de Manuel Chavajay. Divulgação
Outra artista maia kakchiquel, Marilyn Boror reforça a reflexão sobre identidade cultural. Sua obra Edicto Cambio de Nombre elabora a troca de nomes indígenas por nomes europeus como um processo de luto, em lápides dispostas pela galeria.
“Edicto Cambio de Nombre”, de Marilyn Boror Bor. Divulgação
Representando o Brasil, Rastros de Diógenes e Rochelle Costi, falecida em 2022. “O trabalho da Rochelle, na verdade, não é uma obra, mas uma seleção de vídeos do seu Instagram”, explica Alexia. “Éramos bem amigas e, durante a pandemia, falávamos o tempo todo, ela mandava muitos vídeos, então montamos um compilado dessas imagens.”
Coincidentemente, alguns desses artistas também estão na 35ª Bienal de São Paulo, em cartaz até o dia 10 de dezembro. “Há oito anos, era impossível pensar nessa realidade. Acho maravilhoso, é como ver um filho”, comenta Alexia. “Espero que continue assim e que eles tenham a oportunidade de fazer grandes produções, porque um dos fatores limitantes (neste campo) na Guatemala é o financiamento da produção artística.”
Primavera Silenciosa: de 7 de outubro até 20 de dezembro, na Luciana Brito Galeria (Avenida Nove de Julho, 5162, São Paulo)
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