Como é a Gucci sem Alessandro Michele e o Italo disco de Martine Rose
Semanas de moda masculina começam com foco em coleções de inverno 2023 com básicos não tão básicos e alfaiataria.
A temporada de moda masculina de inverno 2023 não tinha como começar de forma mais simbólica do estado e funcionamento das coisas. No caso, das coisas e do mercado de moda. Na quinta-feira (12.01), Martine Rose, estilista independente de moda masculina, meio avessa aos holofotes – e ainda assim das mais influentes –, desfilou como convidada especial na feira Pitti Uomo, em Florença (ela é britânica). Na sexta (13.01), a Gucci, uma das gigantes do luxo, apresentou a primeira coleção sem assinatura do ex-diretor de criação Alessandro Michele.
Sem Alessandro Michele, a moda masculina da Gucci
E como é essa Gucci? Ainda tem gostinho vintage, mas sem tanta excentricidade. Os arquivos da marca são o principal ponto de partida, com pencas de interpretações de produtos dos anos 1970, 1980 e principalmente da era Tom Ford, entre o fim da década de 1990 e começo de 2000 (momentinho que segue trending nas redes sociais).
É também uma Gucci mais genérica, no sentido de chegar menos carregada de identidade para permitir uma maior e mais ampla assimilação de quem consome (ou pode vir a consumir). Em termos práticos, isso significa peças sem tantas estampas, com cortes clássicos, cores neutras e tudo mais que promete prolongar a vida útil da roupa sem cansar ou limitar seu dono. Afinal, dizem as pesquisas de mercado, é isso que vende mais atualmente.
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O desfile de moda masculina já começa dando sinais da limpeza estética que veríamos a seguir. O primeiro look era uma combinação de calça bege, camiseta branca mais sequinha, uma bolsa marrom de alça longa e gorro preto. Em continuidade às propostas das coleções passadas, a alfaiataria segue no centro das atenções, porém mais ampla, lânguida e com algumas peças multifuncionais, tipo blazer com mangas destacáveis que vira colete, calça que se transforma em bermuda e por aí vai.
Tem ainda jeans com strass, monogramado ou com aplicações de lenços vintages, calças envernizadas, de couro e metalizadas, tricôs listrados, regatas bem finas, meio podrinhas, jaquetas de motocicleta coloridas ou com estampas do acervo da marca, uns macacões de couro meio esquisitões – não tanto quanto as polainas e calças de tipo ceroulas –, umas blusas românticas, algumas camisas transparentes e pencas de bolsas. Assim como as roupas, os acessórios são versões atualizadas de alguns hits da Gucci, como a bolsa Jackie e Dionysus, e as pulseiras com o famoso freio de cavalo.
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Assinada pela equipe de estilo da casa (um novo diretor de criação deve ser anunciado nos próximos meses), a coleção exemplifica bem o desejo dos grandes grupos de moda que já vem em construção desde os anos 1990, como bem mostra o documentário Reino dos sonhos: menos criatividade e mais lucro.
O inverno 2023 de moda masculina da Gucci não desagrada, pelo contrário, está cheio de peças que não devem durar muito nas araras. O que incomoda é a falta de tônus criativo. Será que a gente precisa de mais uma coleção de roupas que poderia estar em qualquer loja? Será que alguém ainda se importa com isso?
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A moda masculina de Martine Rose
No dia anterior, em Florença, Martine Rose mostrou – de novo – que roupas usuais têm alto potencial e valor criativo. Em entrevista coletiva antes do desfile, ela afirmou que se interessa mesmo é pelo lado comum e cotidiano da moda.
Quem acompanha seu trabalho há tempos, sabe que a britânica foi uma das primeiras a lançar um olhar quase antropológico para peças banais do dia a dia e transformá-las, sem que perdessem suas características originais, para um universo todo seu e comunitário ao mesmo tempo.
O desfile, seu primeiro fora da London Fashion Week, aconteceu na Piazza del Mercato Nuovo, no centro da cidade, uma região comumente abarrotada de turistas e barraquinhas de souvenir. Naquela noite, o espaço foi transformado numa espécie de boate, com piso aveludado e teto de espelhos. É que a cena noturna de Londres é uma constante fonte de inspiração para Martine. Dessa vez, no lugar do jungle ou do techno hardcore, a trilha e inspiração visual foi o Italo disco, mas com uma boa pitada de excentricidade britânica.
Martine Rose, inverno 2023. Foto: Divulgação
As roupas eram aquela combinação de alfaiataria, com jeanswear, elementos esportivos (com suas tênis em parceria com a Nike inclusos), camisetas, hoodies, camisas e tricôs, porém agora numa silhueta mais agarrada no corpo, como se fossem um tamanho menor. Alguns itens vinham com estruturas rígidas nas golas, projetando-as para cima, mas não de uma forma volumosa e, sim, mais alongada.
Martine Rose, inverno 2023. Foto: Divulgação
Martine ainda convidou amigos da capital inglesa, garçons de cafés florentinos, pessoas que encontrou nas ruas de Milão e jogadores de calcio storico (uma espécie de futebol mais agressivo, primitivo e sem camisa, existente desde a Idade Média) para serem seus modelos. Quem estava lá diz que o vai e vem na passarela era bem caótico e dificultou a apreciação das peças. No entanto, foi essencial para dar energia e um senso de realidade bem importante para o show e para o que a designer propõe para a moda masculina.
Martine Rose, inverno 2023. Foto: Divulgação
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