Moda em movimento: uma nova fronteira

Em sua coluna, Erika Palomino fala sobre os desafios, vantagens e destaques dos filmes de moda apresentados nas últimas temporadas.


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Terminado o longuíssimo mês de novembro, encerra-se a temporada de apresentações digitais de coleções de moda. Diante de tantos desafios, estilistas agora têm diante de si mais uma fronteira: o vídeo. Com a necessidade de captar as roupas em movimento, com o impedimento de desfiles físicos e o próprio esgotamento do formato “passarela”, marcas e designers têm de sair atrás de mais uma expertise e mais habilidades. A imagem bidimensional de roupas em fotos já não é mais suficiente para atrair a atenção de público, clientes, mídia. O excesso de informações visuais parece ainda maior e a sensação é de que estamos ainda mais sobrecarregadas por conteúdos. “Assistir mais tarde” parece ser o comando daora, uma vez que o tempo segue elástico e esquisito nessa proto-40tena.

Aqui nesta ELLE, Lenny Niemeyer, ela mesma rainha de apresentações bombásticas e aglomeradas, admitiu ter entrado em “crise existencial”: “Estou acostumada com passarela, aquela emoção, música alta. Porém, tentar simular essas sensações no digital seria impossível”, afirmou. A saída foi apelar para o tal do “filme fashion”.

Não sei dizer exatamente o porquê, mas o nome “filme fashion” me inunda de preguiça e cenas em slow-motion. Antes da pandemia, o Instagram – que acaba de completar 10 anos – foi o responsável pela aceleração dessa corrida em direção à imagem em movimento. Em algum momento, ao longo desta última década, as marcas tiveram que começar a produzir conteúdo em foto e vídeo, e faltavam profissionais especializados. E mesmo o know-how. E o diñero.

Câmeras; edição; tempo no set para a captação do vídeo… Não raro os times de filmagem tinham/têm de disputar espaço durante as diárias para poder registrar as peças. Timing, dinâmicas, acting, tudo num filme, desnecessário mencionar, difere de um ensaio fotográfico. Outro fato novo entra em ação: também por conta da pandemia, vimos a necessidade absoluta de toda a interface entre marca e público consumidor se dar de forma digital, e de a experiência do varejo ser remota. Como resultado emergem a conhecida explosão do e-commerce e de formatos menos ousados de fotografia, mais convencionais, para que tanto sejam compreendidos and comprados. A parte boa: resta agora aos vídeos um ambiente menos careta e mais livre para que, por meio deles, o conceito da marca seja passado por ali.

Da mesma forma, se sempre foi difícil para jovens profissionais furarem as bolhas da fotografia de moda, no caminho do vídeo, até mesmo por essa maior possibilidade de experimentação e pelas próprias facilidades de equipamentos, vemos a abertura para nomes absolutamente desconhecidos produzirem materiais. E eles vão chamar a atenção quanto mais originais eles forem.

Assim, elementos como storytelling, narrativas, conteúdos documentais, roteiros, passam a fazer parte do cotidiano de estilistas e stylists, todes em busca de um material que possa fazer a diferença nesses nossos tempos pandêmicos e que consigam “substituir” no lugar do imaginário coletivo uma imagem de desfile.

O bom humor e a leveza sem dúvida, têm contribuído para a difusão e a fruição das imagens de moda. Um bom exemplo é o filme da Irrita, a volta de Rita Comparato à “temporada”. Dentro de outras linhas, a Another Place, lançado durante a SFPW, bem concept, e a natureza poética do filme de Edgar Azevedo para a Dendezeiro, na Casa de Criadores. Sob a ótica processual, importante destacar o esforço da diretora Laura Artigas sobre o Ponto Firme, de Gustavo Silvestre, captando toda a trajetória da estreia do projeto que trabalha com internos do Presídio Adriano Marrey na São Paulo Fashion Week. Trabalhando sobre linguagem e estética de forma intensa e verdadeira, a brasilidade do Ateliê Transmora vem na fotografia crua de Rafa Kennedy, num dos mais interessantes registros da estação.

Olhando para o mercado internacional, vale dar uma olhada nos materiais do pioneiro do filme fashion Nick Knight (em seu showstudio), com a já histórica parceria com John Galliano, na Maison Margiela, e na nova série do cineasta Gus Van Sant para a Gucci. Temos um novo mundo a descortinar. E alguma boa notícia diante de nós, para isso. Ufa.

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