As tendências de verão 2022 da alta-costura, segundo Chanel, Dior e Schiaparelli

As cores, formas, detalhes e ideias que marcaram os primeiros desfiles de moda de couture, em Paris, e o que essas coleções de verão dizem sobre nosso tempo.


Coleção de verão 2022, na alta-costura da Schiaparelli, em Paris
Schiaparelli Foto: Cortesia



“Nossa última coleção de alta-costura foi concebida em um breve período de esperança: era abril. As vacinas estavam se tornando amplamente disponíveis. Viajar se tornava uma possibilidade novamente. Podíamos começar a imaginar que nosso pesadelo coletivo ficava para trás, ou pelo menos logo ficaria. E, no entanto, agora, entrelaçada com essa esperança, há uma sensação de perda. A perda de pessoas, mais dolorosamente. Mas também a perda de certeza, nossa perda de garantia, a perda do nosso futuro coletivo.”

As aspas acima são de Daniel Roseberry, diretor de criação da Schiaparelli. Em nota, o estilista explica que, nesta temporada, ele não estava muito a fim da pompa e excessos comumente associados à couture. “Ao longo das 23 provas desta coleção de verão, percebi que o que parecia emocionante, neste momento, era algo diferente, algo contido. De repente, cores pareciam erradas para mim. Assim como os volumes”, continuou.

O estadunidense não está sozinho. Os primeiros dias de desfiles das coleções de verão 2022 de alta-costura foram marcados por coleções de formas, paletas, silhuetas e ideias bem controladas. Dá para entender. Em tempos incertos, é comum buscar refúgio nas tradições bem consolidadas. O que é conhecido assusta menos, parece mais seguro.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Chanel, em Paris

Chanel alta-costura, verão 2022Foto: Cortesia | Chanel

Na Chanel, Virginie Viard focou na relação entre rigor e leveza. Combinou jaquetas e casacos estruturados com calças, saias e vestidos de tecidos leves e transparentes, como seda e organza. Os tailleurs de tweed também entram no jogo de contrastes. As saias de alguns deles eram entreabertas na parte da frente para revelar camadas de rendas.

A ideia começou pelo cenário. Assinado pelo artista Xavier Veilhan, o espaço era um mix de picadeiro com teatro aberto. Sobre a sinuosa passarela de areia, estavam suspensas formas geométricas quase sempre circulares, meio rodas, meio discos, meio relógios.

A decoração foi inspirada na instalação de Veilhan no pavilhão francês da Bienal de Veneza de 2017. A ideia, na época, era propor uma imersão no mundo dos estúdios de gravação. Aqui, as influências são mais aleatórias, vão do construtivismo à paixão do artista pelo universo equestre.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Chanel, em Paris

Chanel alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Chanel

“Suas referências ao construtivismo me lembra as de Karl Lagerfeld“, disse Virginie. “Gosto da similaridade de espírito entre nós, agora e através do tempo. Além de criar a decoração do show com suas inspirações nos anos 1920 e 1930, Xavier queria trabalhar com Charlotte Casiraghi. Seu universo artístico é cheio de cavalos e Charlotte é uma amazona habilidosa.”

É a princesa de Mônaco e embaixadora da maison quem abre o desfile, montada num cavalo e vestindo uma jaqueta Chanel. Sua passagem começa com um trote elegante e termina em galope. Seu look, porém, segue intacto ao longo de todo o percurso, reforçando a ideia de restrição. Qualidade que não se abala nem com as decorações onipresentes, como os bordados inspirados em obras de Sonia Delaunay, as flores de tecidos, as plumas e os botões-joia.

Na alta-costura, tais elementos não são meramente decorativos, são partes essenciais às construções, texturas e aparências das roupas. Não se trata de algo novo. Na verdade, é um dos princípios deste métier, e o fato de nem sempre estarem aparentes é parte da sua excelência.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Dior, em Paris

Dior alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Dior

Maria Grazia Chiuri, diretora de criação da Dior, dedicou sua mais recente coleção de verão – e a melhor desde que assumiu o posto, em 2016 – ao fator humano do processo de criação. Tratando-se de couture, todas as etapas de confecção são manuais e contam com o trabalho minucioso de toda uma equipe de costureiros, bordadeiros e outros artesãos.

A imagem não é das mais emocionantes, e isso não é à toa. Ainda mais em tempos de superdigitalização e impessoalidades. Como Viard, Chiuri aposta numa cartela restrita de branco, preto, marinho e cinza. As cores servem como pano de fundo para o rico trabalho artesanal. Os bordados, ponto central do verão 2022, servem como costuras juntando as partes de blazers, vestidos e conjuntos de alfaiataria. São eles que dão peso, forma e silhueta – todas essencialmente Dior – aos looks.

O contraste entre rigidez e fluidez também marca presença. Os destaques, porém, não são a combinação de texturas ricamente bordadas com tule ou organza. É a série de conjuntos de cashmere e seda, com formas precisas que combinam estrutura e fluidez numa mesma peça com imensa maestria.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Dior, em Paris

Dior alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Dior

Há algumas coleções, a estilista italiana vem diminuindo a quantidade de vestidos vaporosos, tipo de conta de fada, pelos quais ficou famosa. No lugar, entra uma abordagem mais cotidiana (ainda que de alto luxo), com uma alfaiataria suavizada e moldada nas curvas definidoras do legado de Monsieur Dior. A transição faz sentido e parece valer a pena.

Na Schiaparelli, Daniel Roseberry também mostra sinais de mudança. Todos os pontos acima mencionados – restrição, cartela de cores reduzida, foco na construção, roupas pensadas para além do tapete-vermelho – estão presentes, mas um tanto mais excepcionais e carregados de significados.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Schiaparelli, em Paris

Schiaparelli alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Schiaparelli

“Todos os truques que estilistas de alta-costura (eu incluso) usam para comunicar grandeza e artesanato – silhuetas exageradas, tecidos gloriosos, volumes imensos – pareciam vazios.” A solução foi tentar reproduzir essas qualidades em branco, preto e dourado (um tom todo próprio e exclusivo da marca), com estruturas metálicas (folhadas com ouro 24k), quase como esculturas vestíveis. Sob elas, uma série de vestidos extremamente bem construídos, com silhueta precisa, alfaiataria afiada, lembrando um lado de Elsa Schiaparelli que acaba ofuscado pelas suas referências surrealistas.

O surrealismo, aliás, é um ponto importante nessa coleção divisora de águas. Há quase um ano, entrevistei o diretor criativo para o Volume 3 da ELLE impressa. Ele comentou como um de seus principais desafios era interpretar as referências surrealistas de Schiaparelli de uma maneira menos banal e caricata. Queria algo que ressoasse com o agora, tivesse relevância para o nosso tempo. “É muito fácil dar errado”, disse.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Schiaparelli, em Paris

Schiaparelli alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Schiaparelli

O primeiro desfile da grife desde o início da pandemia foi um grande estudo sobre essa nova interpretação. De cara, pode não parecer. A coleção de verão segue com sua atmosfera fantástica, repleta de versões atualizadas de clássicos do arquivo da marca. Agora, porém, tem referências preciosas – e simbólicas –, sobre ciência, biologia e até antropologia e arqueologia.

Tem que prestar atenção nos detalhes, tipo a parte de cima de um chapéu no formato de cérebro dourado com feixes luminosos dele irradiando. Ou a bolsa com olhos e boca como gavetas. Ou ainda os bustos envoltos por anéis dourados e estruturas tipo raios cósmicos, como se a cabeça fosse o sol que alimenta toda uma galáxia. O sol, aliás, já foi visto por muitas civilizações como entidades poderosas, detentoras do poder da vida e da morte. “Imaginei um ser cujas roupas desafiam a própria lei da gravidade”, disse Daniel.

Coleção de verão 2022, na alta-costura da Schiaparelli, em Paris

Schiaparelli alta-costura, verão 2022.Foto: Cortesia | Schiaparelli

E aí, fica fácil associar tudo isso a divindades e até ideias de vida extraterrestres. As figuras e representações podem ser várias, mas,em diversas sociedades e religiões, o ser supremo tem sempre um mesmo significado e fonte de poder: o conhecimento. O que ilumina a ciência, os saberes. E, em tempos tão obscuros, conhecimento é nossa a única certeza. É também a única saída, a garantia de futuro.

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