Gravatas para elas
À medida que as linhas de gênero são borradas, era só uma questão de tempo para que o acessório fosse incluído com orgulho no visual das mulheres.
Yves Saint Laurent havia acabado de ser demitido da Dior quando, em 1961, fundou a sua casa de moda. O estilista parecia determinado a transformar o que as mulheres vestiam. Mondrian, a coleção vanguardista apresentada em 1965, e o escândalo em torno do verão de 1971 comprovam. No meio disso, porém, uma peça se destacou entre as demais: Le Smoking, um dos primeiros ternos femininos a ganhar os holofotes. Inteiramente preto e produzido com um tecido de lã chamado grain de poudre, o traje foi apresentado no inverno 1966 de alta-costura, substituindo os vestidos que costumavam ser dominantes na temporada.
Ali, Saint Laurent dava uma resposta àquelas mulheres que tentavam, através da moda, transmitir uma imagem confiante em todos os âmbitos 一 profissional, pessoal e sexual. Sedentas por liberdade, elas adotaram o terno, desafiando as noções de feminilidade da cultura ocidental e borrando as linhas de gênero. Hoje, é raro ver uma coleção da marca francesa sem alguma versão do clássico Le Smoking. Em suas passagens pela casa, Alber Elbaz, Tom Ford, Stefano Pilati, Hedi Slimane e Anthony Vaccarello se dedicaram a reimaginar a peça, cada um a sua maneira. Um item do traje, porém, por muito tempo pareceu esquecido. Pelo menos até agora. Se trata da gravata.
Le Smoking, de Yves Saint Laurent. Getty Images
Os garotos odeiam colocá-la. Os homens adoram desamarrá-la após um longo dia de uso. Gostando ou não, ela sobrevive no guarda-roupa masculino há mais de três séculos, conferindo dignidade e confiança ao usuário. No livro Dress for Success, bestseller dos anos 1970, o consultor John T. Molloy escreve: “mostre-me as gravatas de um homem que eu lhe direi quem ele é ou quem está tentando ser”. É que a peça pode ser vista como uma mensagem específica para determinado tempo, lugar e pessoa. Há, por exemplo, a notória gravata de poder, que costuma ser acompanhada por um terno risca de giz.
No entanto, se lá atrás a gravata era um dos poucos itens do vestuário disponível para um homem fazer uma declaração, hoje essa história já é diferente. Muito se fala sobre o surgimento de uma sensibilidade na moda masculina. Agora, há uma infinidade de outras possibilidades e é aí que o acessório em questão passa a ser menos necessário na afirmação e comunicação visual de um homem. Além, claro, da flexibilização nos códigos da roupa de trabalho em algumas áreas. As mulheres, por sua vez, estão fazendo a manobra inversa. Em um aceno ao Le Smoking, elas vestem gravatas orgulhosamente e as tornam suas.
Para entender a tendência, há uma corrente contracultural em jogo. Observe a capa de agosto de 1993 da Vanity Fair. Cindy Crawford aparece colocando espuma de barbear no rosto de KD Lang, que está de colarinho aberto e uma gravata meio desajeitada. “Me enxergam como andrógina, mas me orgulho de ser 100% mulher”, afirmou a cantora canadense à revista. Essa foi uma das primeiras vezes que a moda registrou uma mulher lésbica que não se veste de acordo com as expectativas de gênero.
Embora elas nunca tenham precisado de aprovação, nem sempre a sociedade as reconheceu. No fim do século 20, à medida que as normas sociais se tornavam mais restritivas, era perigoso que uma mulher usasse uma gravata em público. Relatos do livro Boots of Leather, Slippers of Gold, que narra a história da comunidade lésbica, contam como sáficas eram arrastadas para fora de bares por policiais ao terem suas sexualidades identificadas. A identificação vinha, por muitas vezes, através da roupa que, em muitos casos, continham uma gravata.
Gucci, inverno 2022. Divulgação
Louis Vuitton, inverno 2022. Divulgação
Ao pular para as últimas temporadas de moda, a gravata esteve presente em todas as passarelas, de Louis Vuitton a Gucci. No inverno 2022 da primeira, Jung Ho-Yeon, a estrela de Round 6, abriu o desfile com uma versão de seda florida. Já na italiana, em que há muito tempo as roupas femininas e masculinas existem como uma só, a peça apareceu fina e de couro. O acessório ainda se tornou o favorito de Bella Hadid e, de quebra, do TikTok. Porém, é importante reconhecer que, apesar de ser uma tendência legítima, muitas mulheres já haviam lutado para usá-la antes como uma decisão de estilo cravada na história.
A ascensão da gravata para mulheres não é tão colegial, nem tem a ver com a rotina das 09h às 18h e muito menos com confirmismo. Às vezes amarrada, às vezes não, ela completa os visuais em um espírito livre, se opondo ao que normalmente é considerado atraente pelos olhos masculinos. O grande ponto, porém, é que o item não está ali para atacar ou desafiar esse olhar. Ele existe fora dele, o ignorando completamente. Diante de armários femininos repletos de ternos, camisas de botão e mocassins, as mulheres também estão usando gravatas e, como sempre, fazendo melhor.
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