Clodovil do Avesso: Clô, para os íntimos

No quinto episódio de Clodovil do Avesso, o podcast da ELLE Brasil reúne depoimentos marcantes de amigos e inimigos.


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Arte: Gustavo Balducci



 

 

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Se preferir, você também pode ler este podcast:

É Clô para os amigos, vil para os inimigos e do para quem eu quiser.

Mais do que uma provocação, a apresentação de Clodovil era a perfeita definição de quem ele era.

Em seus 71 anos, ele colecionou amigos e inimigos, que se mantiveram fiéis aos seus sentimentos por ele até os últimos dias. E Clodovil fez o que bem quis do início ao fim da vida.

Mas, para além do apresentador e figura pública, quem era Clodovil Hernandes, afinal? É o que a gente vai tentar descobrir neste episódio.

Eu sou Patricia Oyama.

Eu sou Gabriel Monteiro.

E este é Clodovil do Avesso, o podcast da ELLE Brasil que mergulha na vida do costureiro, apresentador e político Clodovil Hernandes, que ainda hoje, 15 anos após a sua morte, rende lembranças, discussões e memes.

No episódio de hoje, antes do sexto e último capitulo da nossa história, reunimos casos e passagens marcantes na vida desse personagem contada por seus amigos – e também desafetos – para tentar entender um pouco melhor esse poço de contradições chamado Clodovil.

Ele tinha uma dinâmica diferente. Ele se arrumava dos pés à cabeça. O banho dele era muito demorado, ele se esfregava quase arrancando sangue da pele. Depois ele se perfumava, depois ele se vestia. Tinha um baú Vuitton gigante na casa dele, com gravatas e foulards de seda. Ele abria aquilo e fazia assim, pá, pá, e nunca errava. As combinações que, se a gente for fazer, dá tudo errado. Mas ele dava certo e tinha uma estética muito apurada e muito avançada.

Este que você ouviu agora é José Augusto de Souza, que no episódio passado falou sobre os apuros e os aprendizados que teve com Clodovil na TV. José Augusto foi produtor e depois diretor de Clodovil no programa A Casa é sua, mas ficou próximo do estilista anos antes, ao ser apresentado por amigos em comum.

E essa estética apurada que ele menciona valia pra tudo na vida do estilista.

Clodovil tinha peculiaridades, Patrícia. Ele falava: “Maria, me traz um copo d ‘água”. Normalmente, vinha um copo, um porta-copo, qualquer coisa. Não: era uma bandeja de prata, um paninho de linho, um porta-copo de prata, um guardanapo de linho, uma jarra e uma flor. “Clodovil, mas por que isso tudo?” Ele falou: “A água não desce se não for assim”.

José Augusto se lembra de um réveillon em Ubatuba, em que Clodovil disse ao amigo para chamar toda a família: mãe, irmã e sobrinhos. E mandou fazer um aparelho de jantar especialmente pra comemoração.

Não que faltassem louças naquela casa. José Augusto lembra que, em outra ocasião, propôs que eles fizessem um inventário de quantos pratos rasos ele tinha em Ubatuba. Clodovil, que adorava esse tipo de missão, topou na hora, e os dois passaram a tarde contando pratos. O resultado: o acervo particular de Clodovil tinha 1.800 pratos rasos. De quebra, a dupla achou perdida entre as louças uma caixa de champanhe Cristal, que foi prontamente bebida.

Champanhe, aliás, era uma das poucas bebidas alcoólicas que Clodovil tomava. O estilista não era de beber, sempre foi megacareta em relação a drogas e teve só uma fase em que fumou cigarro pra fazer a chique, com piteira, como contou a amiga Rose Benedetti. O único vício em que ele deu uma deslizada foi no jogo. Em determinada época, conta José Augusto, Clodovil foi contratado para frequentar um bingo. Só que, se ele ganhava, digamos 1.000 por noite, gastava 2.000 em apostas e perdia tudo.

Por sinal, uma característica inegável de Clodovil era a sua total inabilidade em lidar com dinheiro. Se você ouviu o episódio 1 de Clodovil do Avesso, deve se lembrar que, assim que ele ganhou a primeira remuneração na vida foi correndo torrar quase tudo numa malha.

Eu ganhei 1 conto e 200 com aqueles desenhos que pra mim eram banais, entendeu? Eu saí de lá, eu sempre fui meio débil, saí de lá comprei uma malha de 900 mil réis. Mas sobrou um dinheirinho mesmo assim, né? Era uma malha que eu namorava há muito tempo, na vitrine da… Ce lembra da Mozano, que tinha na São João? Você não lembra, porque você era muito jovem!

Bem, em relação a dinheiro, o Clodovil maduro continuou tão inconsequente quando o adolescente. Com isso, somado às demissões frequentes, a saúde financeira do apresentador era uma verdadeira montanha-russa, relembra José Augusto.

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Clodovil tinha momentos de depressão financeira, em seguida já vinha uma ascensão financeira e depois vinha outra depressão e depois vinha outra ascensão. Ele não era retilíneo nas finanças. E a gente viveu isso juntos de maneira muito divertida, muito engraçada. Eu lembro que um dia ele me ligou e falou: “Está com o visto americano em dia? Falei, estou. Falou: vamos para Nova York? Falei, nossa, que convite ótimo! Quando?

Ele falou, hoje. Clodovil, são três e meia da tarde. Como é que alguém, em sã consciência, vai para Nova York hoje? Resumindo, fomos! Às onze horas da noite nós estávamos fazendo um tintim na primeira classe da VASP.

Mas mesmo nos momentos de depressão financeira, Clodovil, a bem da verdade, não se apertava.

Lembro-me de uma dureza, eu e ele, Réveillon. “Vamos para Ubatuba, pelo menos lá nós estamos no castelo e não tem problema. Passe na delicatessen tal”. Não vou falar o nome da delicatessen porque a dona é conhecida em São Paulo. “Vamos lá.” “Clodovil, não acha melhor a gente parar em uma padaria, em uma coisa mais básica, porque na Delicatessen vai ficar pesado…” “Não!” Chegou lá na delicatessen, pegou um carrinho, botou duas caixas de champanhe Cristal no carrinho e um pote de caviar Beluga. Há 20 anos atrás isso custava quarenta e poucos mil reais. Chegou no caixa e falou: “Peça para a fulana vir me cobrar, se ela tiver coragem”. E o caixa passou as compras e nós fomos embora. Enfim, coisas do Clodovil.

Quem também conviveu com o apresentador na fartura e na dureza foi Maurício Petiz. Hoje secretário de Turismo em Praia Grande, no litoral paulista, Maurício foi uma das pessoas mais próximas dele, principalmente na última década de vida. Foi assistente pessoal do estilista, trabalhou com ele na Rede TV e, por fim, foi chefe de gabinete do deputado em Brasília. Presenciou os altos e baixos do amigo e fala desse jeito peculiar com que ele lidava com a conta bancária.

Clodovil era perdulário, né? Ele não, assim, não sabia, nunca soube lidar com dinheiro. Você sabe que eu lembro um dia nós estávamos na Oscar Freire, saímos, acho que fomos tomar um sorvete, alguma coisa assim. E aí, vamos embora. Ele tinha R$ 500 no bolso. Lembro claramente disso. E aí a gente andou da Oscar Freire até Augusta, que ele queria ir numa livraria. Foi numa livraria que vende esses livros de arte. E ele comprou um livro que custava assim R$ 450. Ele só tinha R$ 500 até ele receber de novo. Eu falei: “Clodovil, você enlouqueceu? Compre o livro depois. Você passa aqui outro dia e deixa o livro reservado, no outro momento você passa e pega”. Imagina, R$ 450 para pegar o táxi e ir pra casa. E assim foi, pegou o táxi e foi embora. E no dia seguinte? Alguma coisa acontece. 

E muitas vezes, realmente acontecia alguma coisa que salvava o dia seguinte de Clodovil.

Mas ele vivia muito bem, sempre viveu muito bem, nas piores e nas melhores fases da vida. Ele falava assim, Maurício, mesmo nos piores momentos, eu sempre vivi entre sedas e cetins. Ele dizia exatamente isso. Então, os momentos difíceis dele, ele sempre driblou, ele sempre tirou de letra, e na verdade, o Clodovil sempre foi muito, eu diria, abençoado. As pessoas, sempre alguém chegava e vamos aqui, vamos lá, vamos jantar, vamos almoçar, vamos assim. Então, ele fazia essa travessia dos momentos ruins com muita galhardia. E eu penso, assim, eu não posso dizer a você, e eu convivi muito, que o Clodovil tenha vivido mal em algum momento da vida dele por falta de grana. Não, isso não. 

Bom, a gentileza dos amigos justifica em parte a travessia suave de Clodovil pelos momentos de pindaíba. Mas há também outro fator que pode ajudar a explicar como o estilista não perdia a pose, mesmo com a conta bancária no vermelho.

Entre os desafetos, Clodovil tinha fama de mau pagador. E quem fala sobre isso é Wanderley de Oliveira Gomes, vizinho de Clodovil em Ubatuba, que conheceu o estilista ainda no início da carreira.

É uma pena que Clodovil era, desculpe, mau caráter, ele era muito falso, muito mentiroso, fazia coisas que você nem sabe a metade da missa. Ele não valia nada!

Aos 80 anos, Wanderley continua morando na cidade do litoral norte de São Paulo e se reúne sempre com os amigos para bebericar bons drinques. Décadas atrás, no entanto, ele era uma figura-chave na noite paulistana. Wanderley foi um dos sócios fundadores da lendária boate Homo Sapiens, também conhecida como HS, um dos pontos de encontro mais fervidos da comunidade gay nos anos 80.

Clodovil chegou a frequentar a HS algumas poucas vezes, mas o início das desavenças com o vizinho da praia é mais antigo. Wanderley conta que tudo começou justamente por ele ter ido cobrar um pagamento que Clodovil devia à sua prima, Jaci, que fazia bordados para o costureiro.

Ele não pagava, a Jaci que bordava para ele, eu fui na casa dele cobrar. Ele morava ali na Marques de Itu. Então, ele deve ter ficado com raiva, porque eu cheguei lá, ele falou: “Não, eu pago depois”. Como sempre, ele era um péssimo pagador, né? Morreu devendo pra Deus e o mundo. O que tem amigo meu com cheque sem fundo! Menina, ce não acredita. Daí, bom, ele esperava inaugurar açougue aqui em Ubatuba, daí ele ia no açougue, comprava as carnes, todo mundo ficava contente de receber o Clodovil, e daí ele não pagava. Teve um açougueiro ali, no Perequê-açu, que ele parou o carro e chamou tal para comprar, ele não desceu do carro, ele queria umas carnes. O dono do açougue perguntou: “O senhor vai pagar agora em dinheiro ou não?” Ele falou: “Ah, eu não trouxe nem o talão de cheque”. Ele falou: “Então, o senhor, por favor, vai buscar o dinheiro, porque eu não vendo para o senhor fiado”.

Ao longo de quatro décadas, a relação entre Wanderley e Clodovil teve alguns momentos de trégua, em que um frequentava a casa do outro na praia. Mas, na maior parte do tempo, o clima era bélico. E uma das maiores brigas foi quando Clodovil foi eleito deputado.

Wanderley conta que o apresentador havia fechado a rua de acesso à casa dele e de um outro vizinho, e incorporado a área à sua propriedade.

Bom, ele fechou a minha rua e fechou a rua do Léo, para agregar à propriedade dele as duas ruas, e construiu um negócio. Que foi tudo demolido, porque embargaram a obra umas oito vezes. Levava todas as coisas embora e, no dia seguinte, ele começava tudo de novo.

O ápice da briga foi quando Clodovil estava com a casa cheia, comemorando a vitória pela eleição a deputado federal. Wanderley estava voltando da cidade e, com o acesso fechado, teve que subir a pé até sua casa. E reclamou.

Sabe, achava que era o dono do pedaço. E ele gritou comigo, nossa. Ele falou: “Sou autoridade”. Eu falei: “Não, você vai estar autoridade quando você receber o diploma, mas vai estar, você não é autoridade, você vai estar autoridade, perdeu o cargo, não é mais autoridade”. Daí, ele falou: “Eu te meto a mão na cara!” Eu virei para trás e falei: “Olha, se você está pensando que eu vou descer ao seu nível, Clodovil, eu não vou”.

O fechamento da rua gerou sérios transtornos para Wanderley, que processou Clodovil e ganhou a causa. O acesso foi reaberto e ele recebeu uma indenização do vizinho. Mas, antes disso, teve que enfrentar situações bem difíceis – a pior delas, quando a mãe dele morreu e Wanderley teve que carregá-la no colo até o carro. Quer dizer, a mágoa com Clodovil é bastante justificável.

Eu, quando eu falo alguma coisa dele assim, falo: “Deus que o tenha no fogo do inferno”. Juro por Deus. Toda vez. Aqui no condomínio, ninguém gosta dele. 

Outro conhecido em comum que não guarda boas memórias de Clodovil é o apresentador Leão Lobo, que trabalhou com Wanderley como promoter, na época da HS. No episódio passado, ele já deu uma amostra sobre o que pensava a respeito do colega da TV. Mas naquele dia, no café da República, Leão compartilhou várias outras situações envolvendo o apresentador, incluindo até chute numa gata grávida.

Mas eu vi um dia ele saindo, também com a bolsa, aí, de repente, ele vê uma gatinha, prenha. Aí ele chuta a barriga da gatinha e fala assim: “Na hora de fazer o gostoso, não gemeu. Agora fica gemendo aí”. Coisas assim que eu vi. 

Na visão de Leão Lobo, Clodovil aparentava ser uma pessoa que tinha ódio do mundo. E traduzia esse ódio em falas sarcásticas que extrapolavam a tão famosa sinceridade e se tornavam, de fato, agressões gratuitas.

O próprio Leão ouviu esses comentários mais de uma vez. E a ofensa que culminou com o rompimento definitivo entre os dois foi logo após a saída de Clodovil da Rede Mulher. A emissora foi comprada pela Igreja Universal do Reino de Deus em 1999 e Clodovil foi demitido pouco tempo depois.

Na ocasião, conta Leão, ele próprio foi comunicado pela direção de que não estava na lista de cortes e que a demissão de Clodovil não estava ligada à sua orientação sexual, mas sim ao seu comportamento deselegante com as pessoas. Naquela mesma noite, Leão recebeu um telefonema do colega.

Nesse dia eu cheguei em casa, estava deitado, eu tinha um telefone que era telefone fixo e ficava na cabeceira, a minha filha era pequenininha e ela estava deitada do meu lado. Tocou o telefone, eu atendi, estava contando história para ela, de repente eu atendi, aí ele falou assim: “Leão Lobo, aqui é Clodovil, tudo bem?” Falei: “Tudo”. “Você tem advogado?” Aí eu falei: “Tenho, por quê?” Aí ele falou: “Não, porque eles vão ter que trabalhar em conjunto”. E começou a falar, falar, falar, e não me deixava falar. Aí ele falou assim: “Porque você também foi demitido, não?” Aí eu falei: “Não, não fui, inclusive me chamaram hoje para explicar que eu não seria, que era uma coisa particular com você”. Quando eu falei isso, ele parou, deu uma gargalhada e falou assim: “Ah, claro, é que eu sou a má, você é a boa”. E começou a rir. E aí a minha filha ouviu a gargalhada e falou assim: “Quem é papai?” Aí eu falei assim: “Ah, é um amigo do papai”. Aí ele falou assim: “Quem está ouvindo a nossa conversa?” Eu falei: “É a minha filhinha”. “Filha? Desde quando que viado tem filha? Você cagou essa filha?” Aí eu falei: “Boa noite, Clodovil”. Desliguei na cara dele. Acho que foi a última vez que eu tive contato assim, mesmo com ele.

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Mesmo para os amigos, entender e tolerar o jeito de Clodovil nem sempre era fácil. Aliás, isso é algo em comum entre eles: todos os entrevistados, em algum momento, brigaram com Clodovil. Mauricio Petiz, por exemplo, teve uma briga  séria depois que o apresentador foi demitido da Rede TV. O motivo era que ele não admitia que Mauricio continuasse na emissora que o havia dispensado. O rompimento durou dois anos e foi o mais longo de todos, mas houve inúmeros outros atritos. E Maurício, que conhecia Clodovil a fundo, tem uma boa explicação para tanto conflito.

Clodovil era muito inseguro, o Clodovil testava o afeto dos amigos o tempo todo. E alguns amigos se aborrecem, tem gente que se cansa. Eu fui testado, acho que um milhão e meio de vezes… Eu saía inúmeras vezes, eu saía na casa dele puto da vida, pensando comigo, eu não volto mais aqui, eu não preciso disso, não tenho que aguentar isso e tal, tal, tal. Eu tava no caminho pra minha casa, ele tocava o telefone e dizia: “Escuta, amanhã, a hora que você estiver vindo, passe na Cristallo e pegue não sei o quê, porque eu estou com vontade disso, daquilo”. Na verdade, era isso, era o pedido dele todo o tempo, o pedido de desculpas. E as brigas, na grande maioria das vezes, era isso que eu te falei, na intenção de testar o afeto das pessoas. Eu penso que, muitas vezes, ele não acreditava que as pessoas pudessem gostar dele de fato. Algumas, várias vezes, ele dizia assim: “É, agora você vai pra sua casa, tem sua mãe, tem sua avó e eu vou pra casa e eu tenho a Castanhola (que era a cachorra), eu tenho a castanhola e os empregados que estão lá porque eu pago.

Ao mesmo tempo em que testava o afeto dos amigos, Clodovil tinha dificuldades em demonstrar, ele mesmo, seu afeto pelos outros.

O Clodovil nunca soube demonstrar afeto. Talvez, acho que por conta dessa, da condição da adoção, enfim, toda essa problemática que eu acho que ele se sabotava até algumas vezes por não se achar merecedor de tudo aquilo que ele alcançou. Mas na essência o Clodovil era extremamente carinhoso. Então, assim, ele sabia que eu gosto de arroz doce, por exemplo, e eu tinha tido qualquer embate com ele no dia anterior por alguma razão, no dia seguinte ele chegava e falava assim: “Escuta, fiz arroz doce para você”. Assim, era a forma de pedir desculpas, era a forma de acarinhar e ele não, assim, nunca, nunca eu me lembro, e ao longo de 20 e tantos anos, o Clodovil falar assim, ah, perdão, se eu te falei alguma coisa que ficou indigesta e tal. Não, para mim, para as pessoas que eram próximas dele, nunca fez, não sabia pedir perdão. Ele pedia perdão dessa forma e acarinhava as pessoas assim também. 

Esse agrado com comidinhas, como pedido de desculpas, remete a mais um talento muito mencionado pelos amigos. A habilidade de Clodovil no fogão não era só para as câmeras. Ele de fato era um cozinheiro de mão cheia.

Além disso, outro fato é consenso entre os amigos. Clodovil era uma pessoa solitária. Embora ele próprio discordasse disso.

(Clodovil): Eu não tenho solidão, não, ce tá maluco, Silvio. 

(Silvio Santos): Você não mora sozinho não?

(Clodovil): Eu moro sozinho. Primeiro, eu estou com Deus a vida inteira. E, segundo, eu tenho boa música e eu sou uma pessoa que gosta de ler. Eu não sinto solidão. Solidão é pra gente que não tem nada na cabeça nem no coração. 

Ainda que Clodovil lidasse bem com a solidão, ela se acentuou bastante após a morte da mãe, Isabel Hernandes, em 1986. Isabel Cristina Gonçalves, que foi o braço direito de Clodovil do final da década de 70 à virada para os anos 90, estava com ele nesse momento crítico.

Foi muito difícil. Foi muito difícil. Ele não estava em São Paulo quando eu a levei pro hospital. Ele estava no Rio Grande do Sul e estava numa fazenda. E eu levei a Dona Isabel pro hospital de madrugada. E aí eu não tinha coragem, como é que eu ia avisar pra ele? Porque eu já cheguei com ela no hospital e já autorizei a cirurgia. Ela tinha uma úlcera no estômago que supurou. E eu cheguei no hospital e tive que autorizar e fazer todo aquele processo. E aí, de manhã, eu tive que dar a notícia pra ele, né? Que ela tinha feito a cirurgia, mas ali ela estava bem. Depois ela fez a segunda e fez a terceira, daí não deu mais pra salvar, né? Mas era uma coisa assim: tem que fazer um chemise pra mamãe, tem que botar as violetinhas aqui que ela gosta, tem que fazer a manga aqui que ela gosta, tudo era assim. Sabe? Voltava de viagem sempre, qualquer lugar. Era um presente pra ela. Isso aqui é da mamãe, isso é seu, isso é da mamãe. Sabe? Era uma coisa assim. Ele sofreu muito, muito, muito, muito mesmo. Nossa, foi muito triste. Porque eram os dois só, né? Não tinha ninguém.

Muitos anos após a morte de dona Isabel, Clodovil fazia questão de mencionar a mãe em todas as oportunidades. E em uma de suas últimas entrevistas, para Amaury Jr, revelou que seu único medo era de não encontrá-la depois que morresse.

E eu não tenho medo de ninguém, de homem nenhum, de nada, nada, nada. Só uma coisa eu tenho medo. E eu vou pedir uma energia positiva pra muita gente que gosta de mim nesse momento. Uma energia assim, de emanar uma coisa boa. Porque a única coisa que eu espero da vida agora é que eu me encontre com ela no astral. Porque pode ser que no astral, no dia que eu me for, eu me perca por alguma razão e não a veja de novo. E eu tenho tanta saudade do cheiro dela, você não faz ideia.

Apesar de, aparentemente, se abrir em entrevistas e ter dado a cara a tapa em sua vida pública, Clodovil, contraditoriamente, era bem reservado em relação aos seus próprios sentimentos, conta o amigo Mauricio Petiz.

As relações de amigos eram estreitas e pouquíssimas. As fragilidades, os anseios, e até as frustrações, de alguma forma, só era para muito poucos, era uma coisa muito reservada, e quando ele percebia, quando ele se dava conta que ele estava, de alguma forma, exposto, ele mudava de assunto. Do nada, estamos conversando, e o assunto, ele se comoveu, por alguma razão, e a coisa começava a ficar que ele se sentisse frágil, ele: “Ah, então, vamos fazer pipoca?” E saía.

Rei das perguntas indiscretas para seus entrevistados, Clodovil era a pessoa mais reservada do mundo quando se tratava de sua própria vida amorosa. O que se sabe é que ele teve um único amor na vida. O apresentador jamais revelou o nome da pessoa publicamente e os amigos que sabiam da história também nunca quebraram esse pacto de silêncio.

(Clodovil): Amores a gente não revela. A gente deixa assim, porque fica só a magia, a beleza das notas musicais, e toda uma vida passada, né? Sim… Amor discreto para uma só pessoa…

Mas algumas informações a gente conseguiu para esse podcast. Quem indiretamente promoveu o encontro entre Clodovil e seu grande amor foi o empresário Bento Cabral Olivieri, fundador da tradicional casa de trajes a rigor Black Tie, de São Paulo, e dono da loja Casamento Ideal, em Sorocaba.

A pessoa que ele mais gostou, indiretamente eu apresentei, não é? Ele não fala quem é, eu também não vou falar. Foi uma pessoa, sabe? Ah, me apresenta um advogado, que eu estou saindo da Bandeirantes e estou precisando de um negócio. Claro, vou te apresentar um advogado. Nesse local de advocacia, tinha um advogado que ele conheceu e foi o amor da vida dele.

O  ápice da paixão foi uma viagem que os dois fizeram para Paris. O relacionamento acabou, mas, muitos anos depois, o antigo amor ressurgiu, pouco tempo antes da morte de Clodovil. Quem conta essa passagem é Mauricio Petiz.

Ele se apaixonou uma única vez, eu me recordo disso, assim, viveu essa paixão, e depois terminou, acabou, o rapaz casou-se, foi viver a vida dele. E aí, eu que abria os e-mails do Clodovil em Brasília, e um dia chegou um e-mail, e quando eu vi o nome, eu conhecia a pessoa, claro, era ele cumprimentando o Clodovil, dizendo assim: “Parabéns, Clodovil, agora você vai fazer o que você sabe melhor, cuidar de gente. E aí, eu, saudades, fulano de tal”. E aí eu dei, imprimi o e-mail, dei a ele, e ele ficou, assim, mexido e tal, ligou, ligou pro rapaz, e o rapaz foi a Brasília, eles se encontraram, eu não sei o que aconteceu, porque eu vim embora pra São Paulo, mas assim, ele teve a possibilidade de reencontrar, e neste programa, que eu te falei que foi o último programa que ele fez do Amaury, em um determinado momento, ele fala que ele nunca acreditou que ele tinha sido amado, e que neste reencontro que ele teve em Brasília, ele ouviu isto da pessoa. “Nossa, eu te amei muito” Então, isso pra ele ficou uma coisa assim, talvez de um, de um, eu não sei se de um alívio, por não ter se sentido nunca gostado, sabe.

Essa entrevista citada por Maurício pode ser vista no Youtube. É a mesma em que Clodovil canta Ilusão à toa, de Johnny Alf, que você ouviu agora há pouco. E aqui a gente reproduz o trecho em que ele fala do reencontro.

E eu amei essa pessoa. Mas eu não sabia que ela também me amava. E agora ela surgiu de novo, me mandou um email lindo no Natal e me disse uma coisa como eu nunca ouvi na vida. E eu já estou velho, tenho 71 anos de idade. Ele me disse outro dia: “Eu amo muito a minha mulher”. E casou com a mesma mulher que era namorada dele. “Eu amo muito a minha mulher, amo muito os meus filhos”. Ele tá muito rico, porque aprendeu tudo comigo. “Mas eu tenho certeza que nenhum deles eu amo como eu amei você.”

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Bom, mas se tem um ponto em que o Clodovil da vida pública era tal e qual o Clodovil na esfera privada é no quesito sinceridade. E também na absoluta incapacidade de engolir sapo. Ele perdia a cliente, perdia o emprego, perdia o amigo, mas não levava desaforo pra casa.

E a gente finaliza esse episódio com duas histórias que ilustram bem a personalidade de Clodovil. A primeira é contada por Isabel Cristina Gonçalves e aconteceu no auge do sucesso da carreira do costureiro, quando o ateliê na rua Itália funcionava a pleno vapor e Clodovil era uma estrela na TV.

Um ex-ministro que já morreu, a esposa dele foi ao ateliê, provou, provou e tal, e levou o vestido para casa, para mostrar para o marido. E ficou com o vestido no final de semana. 

Nesse mesmo final de semana, conta Isabel, teve uma festa no Gallery, promovida pela colunista social Alik Kostakis – e o ouvinte atento deve se lembrar desse nome: Alik foi a amiga que cedeu o jazigo da família para abrigar os restos mortais de Dener. Outro parênteses: o Gallery era a casa fundada por José Victor Oliva, que funcionava na Haddock Lobo e era o lugar mais badalado de São Paulo na época.

Bom, a esposa do ministro foi a essa festa com o vestido de Clodovil. Só que quando Isabel ligou para ela na segunda-feira, a cliente omitiu esse fato e disse que não ficaria com a peça, porque o marido não tinha gostado. Ela só não contava com um detalhe: havia sido fotografada com o vestido. E o costureiro viu.

Abrimos o jornal, tinha uma foto dela desse tamanho com o vestido. Aí, ele guardou a folha do jornal. 

Nem Isabel nem Clodovil falaram sobre o flagra no telefone. Mas esperaram a devolução da peça.

Aí, o ministro foi lá. Eu recebi, falei: “Seu Clodovil, o ministro está aqui”. Ele desceu, e aí ele disse: “Não entendi por que não querem receber o vestido. A minha mulher não quer ficar com o vestido”. Patrícia… Ele com as duas mãos para trás, assim, com o jornal. O ministro, na frente dele, ele abriu o jornal. Ele pegou o jornal e disse: “Tá aqui, ó! A sua mulher usou, dia tal. Está aqui, na folha do jornal. Aqui, na foto. Ponha-se daqui para fora!”. Abriu a porta do ateliê, aquela porta de vidro. Abriu e botou o ministro para fora. E o ministro ficou dentro da calçada, da corrente, do estacionamento. Ele aos gritos na Cidade Jardim. Ele dizia: “Para fora! Aqui é meu ainda, para fora da corrente!” Ele botou o ministro para fora. Olha, o pessoal do Bolinha, do lado, dos restaurantes, choravam de rir. Porque ele, com aquele dedo dele, que ele fazia assim, com o dedo, botou o ministro para fora do ateliê. Ele era muito engraçado, mas muito engraçado! Ele fazia umas coisas que você dizia assim: “Meu Deus do céu, que louco!” Mas era a cara dele, entendeu?

Já a segunda história é relatada por Olivieri Cabral, da Black Tie. E se passou num período em que Clodovil estava fora da TV, depois de mais uma demissão, e extremamente sem dinheiro. Pra tentar reerguer o estilista, Olivieri pensou em lançar um projeto de roupas assinadas por Clodovil em parceria com a Black Tie. No relato a seguir, o nome da cliente foi ocultado, porque a gente não quer que nosso entrevistado perca a amiga.

Eu tinha uma amiga, que o sonho da vida dela foi fazer o vestido com o Clodovil quando ela fosse casar. Ela ficou sabendo: “Nossa, o Clodovil com a black tie. Eu quero que ele faça meu vestido”. 

Essa amiga era e é muito rica. E Olivieri viu a chance de Clodovil tirar  o pé da lama. Nessa época, o costureiro não tinha nem mais ateliê próprio, mas Olivieri combinou que eles receberiam a potencial cliente com toda a pompa e circunstância na sala dele, na Black Tie.

Chegou a e a mãe dela. “Ai, Clodovil, mas que bacana te conhecer.” “Ai, obrigado, não sei o quê”. E começou. “Então, como que você é,?” “Olha só, uma pessoa romântica assim, assado.” E ele com papel, Montblanc. “Então, me conta, como é que você é.” Então, ele… Ah, sim, não sei o quê. Mexeu e virou e mostrou. “Ah, nossa, que coisa linda, Clodovil”. A mãe: “Ah, minha filha, mas o decote está muito… Está muito sexy para você. O papai não vai gostar”. Aí, o Clodovil já olhou e tal. Pô, tudo bem. Falou: “Vamos fazer um segundo, então?” E num segundo… Pá, pá, pá… A mãe, pá. No terceiro, ele já fez meio olhando para mim. 

Olivieri sentiu o clima fechando e se preparou pra tempestade. E ela veio. Na terceira versão, a mãe da noiva pôs novamente defeito na criação do costureiro.

A mulher falou umas coisas para ele. Ele falou assim: “Olha, quem está casando aqui não é a XXX, é a senhora”. Aquele jeitão dele. “Só que eu não estou fazendo um vestido para ela, eu estou fazendo para você. Então, desculpe, eu não vou fazer para você. Eu quero fazer para ela”. Aí ela falou uma coisa também. Ele foi até a porta e falou assim: “Olha, a porta é o caminho da não sei o quê. Desculpe, eu tenho 69 anos, eu não vou mudar a minha essência. Pá, pá, a senhora não sabe o que a senhora quer, a sua filha sabe muito bem o que ela quer. Então, na hora que ela resolver, ela vem até mim. Por favor”. Abriu a porta. “Ai, meu Deus” “Clodovil, a gente acabou de perder 200 mil reais!” 

Nem a cliente nem a mãe voltaram pra fazer o vestido com Clodovil.

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No próximo e último episódio de Clodovil do avesso:

Um dia eu cheguei na casa dele, e eu disse assim, eu falei para ele que eu ia abrir a geladeira, porque eu queria uma água gelada, o que nem era verdade, eu queria ver o que tinha lá, se ele tinha o que comer. Só tinha leite lá dentro. Aí eu disse, Clô, por que você não se candidata a deputado federal? Eu acho isso errado, mas a gente vê tanta coisa errada na política e ninguém entra lá com boas intenções. E ele tinha muito boas intenções, eu vou dizer para você.

(Clodovil): Eu tenho obrigação de achá-la bonita por que? Eu ainda disse, se opere, faça como eu. Vá pra Santé. Eu tenho 70 anos e ninguém diz.

(Mauricio Petiz): Tocou o meu telefone e no identificador de chamada veio o telefone privativo do quarto dele, era o telefone fixo do quarto de Brasília. Era a empregada dele que foi pegar a Castanhola para dar o remedinho, a Castanhola estava com uma infecção, estava tomando remedinho, então ela foi pegar a Castanhola no quarto e o Clodovil estava no chão, deitado no chão, de bruços.

Os problemas de saúde, a breve e intensa carreira como deputado e os últimos dias de Clodovil em Brasília.

Clodovil do Avesso é um podcast produzido pela ELLE Brasil. Reportagem, roteiro e narração, Patricia Oyama e Gabriel Monteiro. Gravação e finalização, Compasso Coolab. Trilha sonora original, In Sonoris Causa.

Esse episódio usou trechos dos programas Show de Calouros, Nada Além da Verdade e Em nome do Amor, do SBT; e Amaury Jr., da Rede TV!.

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