O mês da masturbação

Entre avanços e retrocessos, a luta pelo direito ao prazer, pelo respeito às mulheres e pela liberdade continua. E a masturbação tem um papel importante nisso.


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Dia 28 de maio é comemorado o Dia Internacional da Masturbação. E antes que essa frase gere risadinhas ou desconforto, quero contar sobre a história e a seriedade de onde surgiu tudo isso.

Em dezembro de 1994, a dra. Joycelyn Elders mudou o rumo da conversa sobre masturbação para sempre. Ela, a primeira cirurgiã-geral negra a ocupar o cargo de diretora do departamento de saúde do Arkansas, citou a importância de a masturbação ser incluída como tópico a ser abordado na grade de educação sexual das escolas durante o seu discurso no painel sobre HIV na ONU. Claro, durante toda a fala Joycelyn há também muitas outras pontuações e estatísticas importantíssimas, principalmente sobre uma doença que tinha acabado de desolar toda uma geração, e você pode assistir na íntegra aqui.

A parte da masturbação é extremamente tranquila e bem colocada, visto que a masturbação é o sexo mais seguro que alguém pode fazer e um tema de proporções gigantescas na vida de qualquer adolescente. É algo que naturalmente gera dúvida, curiosidade, medo, empolgação. Simplesmente não tem como fingir que não acontece ou demonizar os jovens por suas novas descobertas. “Por fazer parte da sexualidade humana, deveria ser algo a ser abordado”, declarou. De maneira assertiva e segura, Joycelyn afirmou a necessidade de sermos mais abertos e menos julgadores em relação ao jeito de tratar a autoestimulação, “(A educação sexual) Deve ser apropriada para cada idade, deve ser completa e deve ter todas as informações que eles (crianças e adolescentes) precisam saber”. Mas isso não foi o que o presidente da época, Bill Clinton, pensou. Clinton, no alto do seu pedestal das morais hipócritas, onde habita a maioria dos homens com poder, ficou ultrajado com o discurso de Elders e pediu a demissão (injusta) da doutora. 

Joycelyn Elders

Joycelyn Elders. Foto: Getty Images

Mas nem toda injustiça passa batida pelas pessoas. Eu, pelo menos, tento acreditar que certas coisas aparecem por um bem maior, e o caso de Elders não me deixa mentir. Vejo claramente como isso poderia ter acontecido no Brasil hoje (ou pelo menos nos últimos 5 anos), mas estamos falando de uma realidade de quase 30 anos atrás nos Estados Unidos, que é estranhamente atual para nós. 

Nos anos 90, os norte-americanos já estavam há 20 anos vivendo com a privilegiada presença da ativista Betty Dodson, primeira educadora sexual disposta a quebrar todas as barreiras possíveis e ensinar mulheres a terem orgasmos através do próprio toque e de vibradores. 

Em 1985. estreou na TV o The Dr. Ruth Show, o programa de entrevistas da terapeuta sexual Ruth Westheimer, uma senhora simpática, inteligentíssima, direta e sobrevivente do Holocausto, que dava conselhos sobre relacionamento e sexo ao vivo para os seus telespectadores (cinco anos antes ela estava num dos programas de maior sucesso da rádio e sua carreira segue ativa e impressionante até hoje, aos 94 anos). 

Ruth Westheimer

Ruth Westheimer. Foto: Getty Images

Em 1977, surgiu a Good Vibrations, a primeira sex shop focada em sexualidade positiva de São Francisco, Califórnia, criada pela educadora e terapeuta sexual Joani Blank, peça-chave que liga o trabalho necessário de Joycelyn Elders até a data comemorativa de hoje. No ano seguinte ao tão “polêmico” discurso na ONU, Joani decidiu celebrar a dra. Joycelyn proclamando maio o mês da masturbação (carinhosamente apelidado de Maysturbation em inglês), justamente para o assunto ser discutido com mais conscientização e informações profundas que rebatem qualquer mito ou ignorância a respeito. 

Em tempos sombrios no nosso querido solo nacional, tentaram fazer os pais acreditarem que educação sexual era ensinar coisa de adultos para crianças. Na realidade, ela vai na direção oposta e ajuda a prevenir e reconhecer casos de abuso infantil (que muitas vezes ocorrem dentro de casa). Voltamos algumas casinhas no jogo da vida, mas finalmente podemos seguir novamente. É assim no mundo todo, e cada passinho e ato coragem de mulheres potentes faz a diferença.  

Já escrevi aqui para vocês sobre os benefícios da mastubação medicinal, sobre como prazer e política estão bem mais entrelaçados do que imaginamos. Trouxe atividades simples e outras com ajuda de ferramentas tecnológicas para aprimorar o autoprazer, além de todo um novo repertório erótico a ser descoberto. Contei sobre como a cultura pop mudou a nossa forma de se masturbar e inaugurei essa coluna justamente explicando direitinho como funciona o nosso orgasmo.

Como disse Audre Lorde em seu escrito de 1978, “Erotic as Power”, e em toda a sua vida de ativismo e luta pelo prazer, equidade de raça, orientação sexual e gênero: “Mulheres são poderosas e perigosas”.  Ao ser censurada e criticada por certos conservadores, como o ex-senador republicano Jesse Helms, sua resposta não podia ser mais precisa: “Minha sexualidade é parte integrante do que eu sou, e minha poesia é produto da interseção entre mim e meus mundos (…). A objeção de Jesse Helms ao meu trabalho não tem a ver com obscenidade (…) ou mesmo com sexo. Tem a ver com revolução e mudança. Helms sabe que meus escritos estão voltados para a destruição dele e de tudo o que ele defende“. O dia da masturbação não é sobre apenas se tocar. É sobre liberdade e revolução, coisa que pode assustar e irritar muita gente, mas vale muito a luta.

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, ela responde mensalmente as dúvidas do público da ELLE.

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