Livros sobre o luto diminuem o tabu sobre o tema

Títulos de Christian Dunker, Fabricio Carpinejar, Natalia Timerman e Claudia Giudice mostram como o mercado editorial vive um boom de publicações sobre partidas.


luto destaque



Enquanto escrevo essas linhas, o mundo chora a morte de Matthew Perry, o Chandler de Friends. Na Amazon.com, vejo que o livro de memórias dele, Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível, lançada em janeiro no Brasil, passou a liderar a lista dos mais vendidos. Na TV, outro luto: o telejornal mostra a comoção de intelectuais e artistas diante do falecimento de Danilo Miranda, figura de proa do Sesc e da cultura brasileira. Rita Lee, Gal Costa, Erasmo Carlos, Jô Soares, Lygia Fagundes Telles, Elza Soares, Milton Gonçalves… De males causados pela idade avançada, uma geração de brasileiros gigantes começa a desaparecer. A lista aumenta se levarmos em conta os acidentes, como os que nos fizeram nos despedir de Zé Celso Martinez Corrêa e Marília Mendonça. E como esquecer de Paulo Gustavo e as mais de 706 mil vítimas do vírus Covid 19? 

Desde março de 2020, quando a epidemia chegou ao Brasil superlotando hospitais e cemitérios, foram tantas partidas – e tantos lutos compartilhados através das redes sociais –, que um efeito colateral surge agora nas livrarias: o mercado editorial vive um boom de títulos sobre o tema. Esses livros colaboram para normalizar algo que é natural, mas que ainda assim virou tabu: o luto e as doses de tristeza, fragilidade e desamparo que o acompanham.

“A proliferação dos relatos sobre perdas e saudade é uma ótima notícia – ela sinaliza que estamos mais abertos a falar (escrever) e a ouvir (ler) sobre a finitude e a dor”

Nas últimas décadas, falar sobre a morte foi ganhando ares de superstição. Na entressafra de guerras e epidemias, o luto tornou-se um constrangimento, um interdito. Por querer acreditar que somos imortais ou por medo de colocar o dedo na ferida alheia, nos afastamos de quem precisava do nosso acolhimento. A proliferação dos relatos sobre perdas e saudade é uma ótima notícia – ela sinaliza que estamos mais abertos a falar (escrever) e a ouvir (ler) sobre a finitude e a dor.

“Fazer o luto” significa, na prática, encontrar um pensamento, uma narrativa, que de alguma forma contribua para “acomodar” o sofrimento e a saudade, dando a eles algum sentido. É um trabalho de digestão, de aprendizado. Como lidar com o vazio que a pessoa querida deixou?

“Em vez de palavras vazias, ofereça ouvidos e braços – para os abraços e também para auxiliar em tarefas práticas como fazer compras no supermercado ou pegar as crianças na escola”

Frases como “que bom que agora ela/ele descansou” ou “você precisa se esforçar para ficar bem porque é isso que X (a pessoa falecida) gostaria” são textos pré-fabricados que oferecemos aos enlutados na tentativa de ajudá-los (e, infelizmente, de apressá-los) a atravessar esse período difícil. Em vez de acolhimento, falas assim podem gerar distanciamento; no geral, mais atrapalham do que ajudam. Afinal, para encontrar uma narrativa íntima, pessoal e subjetiva sobre a perda, o enlutado precisa falar, escrever, expressar o que sente. Em vez de palavras vazias, ofereça ouvidos e braços – para os abraços e também para auxiliar em tarefas práticas como fazer compras no supermercado ou pegar as crianças na escola. No luto, o tempo fica suspenso como em um relógio parado, a vida congela, as tarefas cotidianas parecem inapropriadas porque corrompem a sacralidade do momento.

Há, nas livrarias, relatos de perda dos mais diferentes tipos, mesmo sobre mortes que costumam ser mais silenciadas que outras (a exemplo de Nem covarde, nem herói – Amor e recomeço diante de uma perda por suicídio, da editora Gulliver, em que Luciana Rocha escreve sobre o suicídio do marido).

Como toda história de luto é, antes de tudo, uma história de amor, não é preciso ter medo de encarar essas leituras. Livros sobre o tema emocionam não só pelo que trazem sobre a morte mas, principalmente, pelo que revelam sobre a vida. Basta uma conversa com um livreiro bem informado ou uma pesquisa no Google para encontrar opções inspiradoras. A seguir, destaco algumas:

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Manual do luto, de Fabricio Carpinejar (editora Bertrand Brasil)
Lançado na sequência do sucesso de Depois é nunca (livro editado logo após a pandemia e que teve mais de 60 mil exemplares vendidos), esse manual traz, como o anterior, reflexões sobre diferentes tipos de perda em textos breves e recheados de frases de impacto, daquelas que viralizam nas redes sociais e que a gente tem vontade de tatuar para não esquecer. O autor se lança nessa série a uma tarefa impossível, mas que precisa e deve ser buscada: traduzir em palavras o luto (que é pessoal e intransferível) e a morte (que, até chegada a nossa hora, só conhecemos “de fora”, como espectadores).

pequenas chances asAs pequenas chances, de Natalia Timerman (editora Todavia)
Médica como o pai, a autora acompanhou a fase terminal da doença dele com absoluta compreensão dos acontecimentos, mas ainda assim, simplesmente por ser humana, cultivou esperanças que no fundo sabia ser em vão. No livro, ela revê o passado com novas lentes (a do luto), e nos convida a acompanhá-la numa viagem dupla aos rituais do judaísmo (a religião do pai, não praticante) e ao país de seus antepassados, a Ucrânia, em busca das origens familiares. Relato leve e poético perpassado pelos mais diferentes sentimentos que acompanham o processo da perda. Culpa, saudade, raiva e tristeza, sim, mas também a alegria eterna das memórias.

Claudia Giudice

Sem pai nem mãe, de Claudia Giudice (editora Máquina de Livros)
Ao perceber que perderia ambos os pais para uma mesma doença – o câncer – num curto intervalo de tempo, a jornalista interrompeu seus compromissos para acompanhá-los nos seis últimos meses de vida, fazendo da convivência familiar e dos cuidados com o casal uma prioridade. Além de narrar o próprio luto, Claudia observa o luto particular do pai e da mãe que, instintivamente, sabem que a morte se aproxima e sofrem com a fragilidade, as dores e o medo provocados pela fase terminal. Leitura que nos aproxima daquilo que é óbvio e que, justamente por ser isso, tendemos a esquecer: a condição humana e mortal de cada um de nós.

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Lutos finitos e infinitos, de Christian Dunker (editora Paidós)
Psicanalista generoso, sempre pronto a compartilhar suas reflexões e leituras, Dunker mescla nesse livro teoria psicanalítica, histórias de pacientes, comentários sobre a cultura coletiva e depoimentos pessoais sobre a experiência da morte da mãe. Não é um livro dos mais fáceis para quem não tem intimidade com a psicanálise, mas entra nessa lista por ser considerado uma obra que já nasce sendo referência no tema.

Neste Dia de Finados, vá às livrarias.

*Sandra Soares Sibaud é jornalista, estudante de psicanálise e mestranda em estudos lusófonos na Universidade Sorbonne Nouvelle, em Paris. É cofundadora do projeto “Vamos Falar sobre o Luto?” e apresentadora do podcast de mesmo nome que chega às plataformas neste Dia de Finados

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