A moda encontrou o seu lugar no streaming

Se nos últimos meses você andou dando um Google pelo figurino de alguma série, saiba que não está sozinho. Aqui, analisamos a obsessão.


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Foto: Divulgação



O segundo episódio da nova temporada de Euphoria começa com Maddy (Alexa Demie) passeando pelo closet luxuoso de uma mãe rica. Enquanto deveria estar trabalhando como babá, a personagem desliza seus dedos pelas jóias, prova alguns vestidos e admira o seu reflexo sofisticado no espelho. A fantasia é interrompida quando a dona da casa retorna de repente, e ela é forçada a voltar às pressas para sua minissaia jeans e baby tee estampada.

Para o público, porém, o visual de Maddy parece tão atraente quanto a imagem sonhadora vista durante a sequência mencionada acima. Se na primeira temporada da série o foco estava nas maquiagens com delineados gráficos e adesivos de strass, na segunda a moda se tornou a protagonista. Sua função, contudo, não é só fazer suspirar.

À medida que os personagens crescem, a paleta de cores passa ser mais escura. O drama de suas vidas pessoais, a psique e os traumas podem ser mapeados a cada escolha de vestuário. Como prova, basta olhar para as diferentes personas incorporadas por Cassie (Sydney Sweeney) em sua tentativa desesperada de atrair o olhar de Nate (Jacob Elordi). Suas roupas são sua principal ferramenta.

Historicamente, a produção da HBO Max não é a única a ter feito bom proveito da moda. Lá em 1934, quando Peter (Clark Gable) evitou camisetas no longa It Happened One Night, os homens ao redor do globo tomaram nota. Até que, em 1955, em Juventude Transviada, James Dean fez todo mundo cair de amores pela T-shirt branca. Do lado feminina, basta lembrar do vestido preto sem mangas de Holly (Audrey Hepburn), visto em Breakfast at Tiffany’s. Depois daquele momento, o little black dress se tornou um item essencial ao guarda-roupa feminino.

As quatro estrelas de SATC aparecem de m\u00e3os dadas caminhando pelas ruas nova-iorquinas.

Sex and the City.Getty Images

Alguns anos e muitas mudanças midiáticas depois, o cinema passou a dividir a sua influência com o reino da TV e, mais tarde, com o do streaming. É aí que os personagens dos seriados entram em nossas casas, vivendo conosco por semanas a fio. São quase como família e, de quebra, possuem um tempo a mais para intervir em nosso estilo.

Já havíamos visto algo parecido em séries como Sex and The City e Gossip Girl 一 ambas recentemente revividas, aliás. A primeira teve o seu figurino assinado por Patricia Field. A estadunidense entregou aos espectadores momentos de moda ousados e que, em alguns casos, nunca haviam sido vistos antes na televisão. Ainda tornou Manolo Blahnik um nome popular e provou que não há nenhum problema em escolher um tutu para um brunch. As estrelas da produção possuíam estilos distintos, condizentes com suas respectivas personalidades, o que também acontece em Gossip Girl.

As duas séries despertaram não apenas ideias de moda, mas também testes de personalidade. “Você é mais Carrie ou Miranda? Blair ou Serena?”. Todas elas são, relativamente, redondas. Sabemos que Carrie era aventureira, romântica e um tanto egocêntrica, assim como também sabemos que Blair era firme e segura de si. Isso significa que, para os que se identificam com as características da primeira, as suas bolsas Baguette terão um impacto específico. O mesmo vale para as tiaras usadas pela segunda.

Nós comprávamos as roupas de uma personagem porque, antes, já havíamos a comprado como pessoa. Elas até poderiam estar distantes da nossa realidade, mas emprestar algumas referências de seus estilos era como uma tentativa de pegar também alguns traços de suas personalidades.

Villanelle aparece sentada em sof\u00e1 azul usando um vestido rosa.

Killing Eve.Divulgação

Corta, então, para 2022. O jogo se mantém mas, neste momento, de uma forma um tanto revirada. Observe Killing Eve, que acaba de lançar a sua quarta temporada. Na série, Villanelle (Jodie Comer) é uma psicopata hedonista, mas, ainda assim, é difícil não cobiçar seus vestidos Molly Goddard, casacos Loewe e ternos Dries Van Noten. A curadoria especial de marcas, realizada por três figurinistas (Charlotte Mitchell, Phoebe De Gaye e Sam Perry), virou até notícia. Agora, ao que parece, até mesmo as séries que em nada se relacionam à moda conseguem incluí-la na história com facilidade.

O movimento tomou forma durante o período mais severo da pandemia. Enquanto os dramas da vida real se desenrolavam ao nosso redor, a ficção oferecia algum nível de alívio. Grandes histórias eram contadas e novas realidades eram retratadas, nos permitindo escapar para outros tempos e lugares. Seja para elogiar ou criticar, uma parcela expressiva da diversão estava nos figurinos 一 vide Bridgerton, Emily in Paris e O Gambito da Rainha. Em um momento em que o estilo de rua havia sido interditado e os desfiles aconteciam apenas digitalmente, fazia todo sentido.

 

Sem demonstrar sinais de desaceleração, o caso de amor entre o streaming e a moda se tornou um negócio em potencial. À medida que as séries lançam tendências da noite para o dia, marcas autorais podem não estar estruturadas para para responder aos hits de forma instantânea, como as fast fashion estão. Justamente por isso, elas têm ido direto à fonte. Em janeiro, a BAPE, fenômeno do streetwear, lançou uma coleção inspirada na série sul-coreana Round 6 e em parceria com a Netflix.

Alguns meses antes, a HBO Max havia realizado uma parceria com a Depop para a estreia do reboot de Gossip Girl. A plataforma de revenda encontrou quatro de seus vendedores com uma estética alinhada a cada personagem e tiveram algumas reuniões com o figurinista da série, Eric Daman, para estabelecer, em conjunto, a curadoria das lojinhas. Na semana do lançamento, de acordo com dados divulgados pela empresa, a Depop viu um aumento de 200% nas buscas pelo nome da produção.

Enquanto os seriados estão no centro das conversas, é natural que vejamos cada vez mais a sua influência no mercado de moda. Em uma troca cultural e monetária, já surgiu até uma plataforma para simplificar o processo dos espectadores. Chamado SEEK Shop, o e-commerce estadunidense, lançado no fim de 2021, agrega tanto as colaborações oficiais entre marcas e streamings quanto os próprios produtos usados pelos personagens. Lá, você pode navegar diretamente até a aba de Euphoria, por exemplo, e economizar as tantas horas que gastaria vasculhando pela internet.

Esse é o impacto que os nossos personagens favoritos têm em nossos guarda-roupas. A linha entre assistir e consumir nunca foi tão tênue. Enquanto os dedos escorregam do controle remoto para o celular 一 e compram tops semelhantes ao de Maddy 一, sabemos que é possível obter ótimos momentos de moda no reino dos streamings. Agora, exigimos ainda mais do que assistiremos a seguir.

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