Os sutiãs estão à mostra e essa não é uma má notícia

Não tenha medo da alça e do bojo da sua lingerie. Antes sempre escondido, o sutiã está pronto para as passarelas, tapetes vermelhos e ruas, cutucando as antiquadas regras de moda.


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Lily James, de Miu Miu. Foto: Getty Images



Uns meses atrás, estava andando na rua quando uma senhora me parou para avisar que a alça do meu sutiã estava aparecendo. Um sonoro “e daí?” ecoou instantaneamente na minha mente, mas sabia que, na sua visão e entendimento, o aviso era bem intencionado. Preferi sorrir, arrumar alça e seguir em frente – com a certeza absoluta de que ela voltaria a escapar após poucos movimentos. Ao longo do caminho, contudo, vieram questões: era para o uso da roupa íntima ser um segredo? Mas já não é óbvio que usamos? Eu deveria sentir vergonha?

Ao notar que o sutiã sempre esteve presente no guarda-roupa feminino de diversas maneiras, o incômodo conservador em torno do item é ainda mais contraditório. Acredita-se que, na Grécia Antiga, mulheres já enrolavam faixas de linho ou lã para dar suporte ao busto. A versão mais próxima da que conhecemos hoje, no entanto, foi invenção de Mary Phelps Jacobs, em 1910. Insatisfeita com o ajuste de um vestido que usaria em um baile, aos 19 anos, a socialite nova-iorquina confeccionou uma espécie de protótipo do sutiã. E aí, na década seguinte, a russa Ida Rosenthal criou uma escala de diferentes tamanhos para eles.

Ao longo da história recente, de Marilyn Monroe a Madonna, a relação entre a mulher e a lingerie passou por algumas redefinições culturais. Foi nos anos 2000, porém, que a sua exibição, assim, como acidente ou contrária à cartilha dos bons costumes do vestir, alcançou as ruas. Os fãs de Meninas Malvadas, se lembrarão. Desesperada para estabelecer sua popularidade no ensino médio, Cady Heron, interpretada por Lindsay Lohan, substitui o visual grunge por um guarda-roupa digno de uma patricinha. O estágio final da metamorfose culmina em uma festa, para qual ela escolhe um vestido preto sem alças, expondo intencionalmente o seu sutiã rosa-choque.  

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Gwen Stefani, no TRL, em 2002. Foto: Getty Images

O  visual não era uma completa novidade para o público. Enquanto o filme se tornava um sucesso de bilheteria, ícones pop da vida real também faziam da lingerie um marcador de estilo pessoal. Gwen Stefani, por exemplo, escolhia sutiãs com alças de strass quando vestia regatas cavadas, bem como Adriana Lima e Gisele Bundchen. Amy Winehouse permitia que o bojo fosse revelado pelo decote de seus vestidos sensuais. No Brasil, entre a influência colossal das novelas, quem fazia parecido com a cantora era Norminha, personagem interpretada por Dira Paes em Caminho das Índias

Não se tratava, porém, da exibição completa do item. Ao apresentar apenas partes do sutiã, o efeito fazia parceria um erro, como se o item tivesse escapado ou a roupa, escorregado. E era escandaloso justamente por isso. Ao redor do globo, tabloides sensacionalistas estampavam os bojos e as alças de fora como casos de wardrobe malfunction (mau funcionamento do guarda-roupa). Era uma tentativa de envergonhar as celebridades femininas pelo que, na época, se considerava uma gafe de moda. 

Quase duas décadas depois, as artistas parecem determinadas a provar que nunca houve motivo para constrangimento. Caso tenha acompanhado o Festival de Cannes, você deve ter notado. Para a estreia de Asteroid City, Scarlett Johansson usou um vestido tomara que caia, da Prada, com um sutiã branco embutido. Em pleno tapete vermelho da Riviera Francesa, conhecido pela rigidez nos códigos de decoro e vestimenta, a escolha foi atrevida – e não foi a única. Sydney Sweeney surgiu em um vestido branco de seda, da Miu Miu, combinado a um sutiã azul. 

Embora Miuccia Prada possa parecer a campeã do visual, o terceiro sutiã à vista no evento veio de uma fonte diferente. O vestido usado por Rosie Huntington-Whiteley faz parte da coleção de verão 2023 de alta-costura da Fendi. Ao investigar a flutuabilidade da lingerie, o diretor de criação Kim Jones elevou os bojos e alças ao nível glamouroso da temporada com manipulações delicadas de seda com bordas rendadas. No inverno 2023 da Bottega Veneta, havia opções em cores visivelmente diferentes das peças de roupa, assim como no verão 2023 de Giambattista Valli.

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Bottega Veneta, inverno 2023. Foto: Divulgação

Ainda há a capa do novo álbum de Olivia Rodrigo, os vídeos de Hailey Bieber no TikTok, os visuais de Matilda Djerf por todo o Pinterest e mais algumas aparições em eventos recentes, como Lily James, de Miu Miu, na premiere de What’s Love Got to Do with It?, e Kim Kardashian, de John Galliano, no Time 100 Party. Juntas, elas provam que não há uma maneira certa de adotar a roupa de baixo por cima. Pode ser doce ou sensual, sutil ou dramática, básica ou vanguardista. Enquanto a nudez continua a evoluir na moda, essa parece uma maneira fácil de experimentar sem expor tudo, deixando um pouco para a imaginação. 

Alguns podem argumentar que já era para o sutiã ter sido abolido, sequer deveria ter sido inventado um dia. É preciso se lembrar, no entanto, de que nem todas querem ou podem deixá-lo. Para as mulheres de peitos maiores, o item cumpre uma função importante, reduzindo dores e dando o suporte necessário ao peso do busto. Usar ou não deve ser uma decisão inteiramente individual, sem o direito de criticar a escolha alheia. Caso deseje ou precise dele, por que não dar a atenção que merece? Seja você Scarlett Johansson ou uma simples anônima, nunca houve nada para se envergonhar.

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